Vigora desde 1 de julho uma nova nota de orientação sobre o teletrabalho transfronteiriço, aprovada pela Comissão Administrativa para a Coordenação dos Sistemas de Segurança Social, baseada no Acordo-quadro estabelecido no âmbito da União Europeia.
A interpretação desta orientação abrange qualquer organização do teletrabalho a partir daquela data e não altera o regime regra ou as orientações anteriores. As regras são complementadas com um modelo de Acordo-Quadro multilateral que estabelece um novo regime específico para situações de teletrabalho não permanentes.
Este Acordo-Quadro multilateral foi assinado por 17 países, incluindo Portugal. Vigora por três anos de cada vez, podendo ser prorrogado se houver novo pedido.
Definição de teletrabalho transfronteiriço
O teletrabalho transfronteiriço é definido como a atividade que:
- pode ser exercida a partir de qualquer local, nas instalações ou no local de atividade do empregador;
- pode ser efetuada num Estado-Membro ou Estados-Membros diferentes daquele em que se situam as instalações da entidade empregadora ou o local de estabelecimento; e
- se baseia em tecnologias da informação que permitam que o trabalhador permaneça ligado ao ambiente de trabalho do empregador ou da empresa, ou dos interessados/clientes, a fim de cumprir as tarefas atribuídas pelo empregador ou clientes, no caso dos trabalhadores independentes.
Na situação de trabalho por conta de outrem, o teletrabalho transfronteiriço ocorre de comum acordo entre o empregador e o trabalhador, em conformidade com o direito nacional.
Prevê-se nomeadamente que o teletrabalho seja equiparado a destacamento em certas situações, e que os trabalhadores possam não ficar sujeitos à legislação de Segurança Social do seu Estado de Residência, mas sim à do Estado do empregador.
Aplicação do Acordo-quadro ao teletrabalho transfronteiriço habitual
O acordo abrange as pessoas às quais a legislação do Estado de residência seria aplicável em resultado do exercício de atividade nesse Estado, mediante teletrabalho, e no Estado da sede da empresa, e que sejam empregadas por uma ou mais empresas ou empregadores que tenham a sua sede ou estabelecimento num único Estado, desde que ambos os Estados sejam signatários do mesmo acordo.
Não estão abrangidos os trabalhadores independentes e só estão abrangidas as situações em que o trabalhador exerce atividade nos dois Estados citados (da sede da empresa e da residência), e em mais nenhum outro, e desde que no Estado da residência também só seja realizado teletrabalho, e não outras atividades distintas.
Verificando-se esta situação e mediante pedido, a pessoa ficará sujeita à legislação do Estado onde o empregador tem a sua sede ou estabelecimento, desde que o teletrabalho transfronteiriço no Estado de residência seja inferior a 50% do tempo total de trabalho.
O pedido deve ser apresentado à instituição competente do Estado cuja legislação o trabalhador solicita que lhe seja aplicada, ou seja, a do Estado da sede do empregador.
O acordo-quadro não produz efeitos antes da entrada em vigor, mas este pedido pode produzir efeitos a 1 de maio (3 meses antes). Até 30 de junho de 2024 pode produzir efeitos até 12 meses antes, desde que, em qualquer caso, durante o período em causa, as contribuições para a segurança social tenham sido pagas no Estado da sede do empregador ou o trabalhador estivesse por qualquer outra razão abrangido pelo regime de segurança social deste último Estado.
Quando ambos os Estados em causa sejam signatários do acordo, é dispensado o acordo formal do Estado de residência, constituindo a assinatura do Acordo-quadro um pré-consentimento e cabendo à instituição competente do Estado da sede do empregador, cuja legislação é aplicável, emitir o Documento Portátil AI.
A troca de informação necessária entre instituições competentes será feita através do sistema EESSI (Electronic Exchange of Social Security Information).
Nas situações em que o Estado de residência seja Portugal, estando reunidas as restantes condições que permitam a sujeição do trabalhador à legislação do Estado da sede da empresa, nos termos do acordo-quadro, a instituição competente deste último Estado emite o Documento Portátil AI sem necessidade do consentimento da instituição competente portuguesa (ISS).
Mantém-se a possibilidade de ser concluído um acordo individual quando a situação especial do teletrabalho transfronteiriço habitual não caiba no âmbito do acordo-quadro e deva ser tida em conta numa base individual.
Legislação aplicável aos teletrabalhadores
O princípio da lei do local de trabalho previsto no Regulamento de coordenação dos sistemas de segurança social continua a ser o princípio principal para determinar a legislação aplicável a uma pessoa que exerça uma atividade profissional.
O facto de o teletrabalho se ter tornado parte da organização do trabalho não afeta a plena aplicação deste princípio, uma vez que o local de uma atividade deve ser entendido no sentido de que se refere ao lugar onde, em termos práticos, o interessado realiza as ações relacionadas com essa atividade.
São possíveis algumas exceções a este princípio, especialmente no contexto das regras especiais e do exercício de atividades em dois ou mais Estados-Membros.
Aplicação da legislação do local de trabalho
Prevê-se uma exceção ao princípio geral da lei do local de trabalho que diz respeito apenas aos casos em que o teletrabalho noutro Estado-Membro seja ocasional, limitado no tempo e não fazendo parte do padrão de trabalho habitual.
A pessoa que exerça uma atividade por conta de outrem num Estado-Membro ao serviço de um empregador que normalmente exerce as suas atividades nesse Estado-Membro, e que seja destacada por esse empregador para realizar um trabalho por conta deste noutro Estado-Membro, continua sujeita à legislação do primeiro Estado-Membro, desde que a duração previsível do referido trabalho não exceda 24 meses e que essa pessoa não seja enviada em substituição de outra pessoa destacada.
O teletrabalho será equiparado a destacamento quando o trabalhador resida num Estado diferente do empregador e se desloque ao Estado do empregador com muita frequência ou por períodos prolongados.
Um destacamento relativo a atividades de teletrabalho noutro Estado-Membro deve cumprir todas as condições clássicas de destacamento.
Em especial, o teletrabalho transfronteiriço realizado durante o período de destacamento deve ser a tempo inteiro, ou seja, 100% do tempo de trabalho.
Segundo esta orientação, o teletrabalho contínuo a tempo inteiro num Estado-Membro sem qualquer limite de tempo é excluído, uma vez que não tem natureza ad hoc nem é temporário e é suposto ser superior aos 24 meses.
Aplicação da legislação do Estado-Membro de residência
Se o teletrabalho é normalmente exercido em mais do que um Estado-Membro, ou seja, sempre que faz parte do padrão de trabalho normal, com base num acordo entre o empregador e o trabalhador (formal ou informal), aplica-se a legislação do Estado-Membro de residência.
A legislação do Estado-Membro de residência aplica-se se aí for exercida uma parte substancial da atividade. Se tal não for o caso, é aplicável a legislação do Estado-Membro em que se situa a sede ou o centro de atividades da empresa ou do empregador.
No quadro de uma avaliação global, uma percentagem inferior a 25% de todos os critérios pertinentes é um indicador de que uma parte substancial da atividade não é exercida no Estado-Membro em causa. A situação tem de ser examinada para os 12 meses seguintes.
Se uma parte substancial (25% ou mais) tiver lugar no Estado-Membro de residência da pessoa em causa, pode ser celebrado um acordo para garantir que não é aplicável a legislação desse Estado-Membro de residência, mas sim a do Estado-Membro em que o empregador tem a sua sede ou centro de atividades.
Referências
Circular n.º 1, Segurança Social, de 29.06.2023
Regulamento (CE) n.º 883/2004, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29.04.2004, artigo 16.º
Circular n.º 4, Segurança Social, de 07.07.2022