O Tribunal da Relação de Guimarães (TRG) decidiu que constitui prova válida e passível de ser valorada pelo tribunal um CD com as imagens do momento em que foi ateado fogo ao tejadilho de um carro, obtidas através de um sistema artesanal de videovigilância.
O caso
Uma mulher foi condenada no pagamento de uma multa e de uma indemnização ao lesado, pela prática de um crime de dano, depois de ter ateado fogo a algo que colocara sob o tejadilho do carro de um vizinho, queimando-lhe a pintura.
Para a condenação muito contribuíram as imagens gravadas num CD por um vizinho que instalara, de forma artesanal, uma câmara de gravação e que aceitara entregá-las ao dono do veículo depois de assegurar de que este não agiria de forma ilícita contra a vizinha.
Esta não se conformou com a condenação e recorreu para o TRG pondo em causa a validade, como prova, das imagens gravadas no CD.
Apreciação do Tribunal da Relação de Guimarães
O TRG negou provimento ao recurso considerando prova válida e passível de ser valorada pelo tribunal o CD com as imagens do momento em que fora ateado fogo ao tejadilho do carro, obtidas através de um sistema artesanal de videovigilância.
Com ressalva das situações de intromissão no núcleo duro na vida privada, atualmente é quase entendimento uniforme da jurisprudência portuguesa de que não constituem provas ilegais, podendo ser valoradas pelo tribunal, a gravação de imagens por particulares em locais públicos ou acessíveis ao público assim como os fotogramas oriundos dessas gravações, desde que exista uma justa causa para a sua obtenção, como é o caso de documentarem a prática de uma infracção criminal, e não digam respeito ao núcleo duro da vida privada da pessoa visionada, onde se inclui a sua intimidade, a sexualidade, a saúde, a vida particular e familiar mais restrita, que se pretende reservada e fora do conhecimento das outras pessoas.
A lei apenas proíbe que sejam valoradas como prova dos factos ou coisas reproduzidas as reproduções fotográficas ou cinematográficas que sejam ilícitas. Mas a ilicitude não se esgota no preenchimento de um tipo legal de crime. Para que um comportamento seja punido como crime exige-se que, além se encontrar tipificado na lei penal, configure também um ato ilícito e culposo.
Assim, embora esteja tipificado o crime de gravações e fotografias ilícitas, punindo a obtenção de fotografias ou de filmagens sem o consentimento da pessoa visada, essa ilicitude é afastada sempre que exista justa causa para a sua obtenção, designadamente quando as mesmas estejam enquadradas em lugares públicos, visem a realização de interesses públicos ou que hajam ocorrido publicamente.
Ora, a documentação da prática de uma infracção criminal, consistente num crime de dano ocorrido em plena via pública, constitui justa causa para a captação das imagens. E não atingindo as imagens recolhidas dados sensíveis da pessoa visionada nem o núcleo duro da sua vida privada, não tem o sistema de videovigilância que ser previamente licenciado, podendo a gravação ser valorada como prova válida pelo tribunal.
Sobretudo quando o CD não tenha sido indicado como meio de prova pela acusação mas sim visualizado a pedido da defesa, não podendo esta, por considerar que a prova não lhe foi favorável, vir depois invocar que a mesma seria nula ou proibida.
Referências
Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido no processo n.º 1348/13.0PBBRG.G1, de 19 de outubro de 2015
Código de Processo Penal, artigos 125.º, 126.º e 167.º
Código Penal, artigo 199.º
Constituição da República Portuguesa, artigo 32.º
Lei n.º 67/98, de 26/10, artigo 4.º n.º 4