O Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) decidiu que a atividade delituosa se prolonga quando haja renúncia formal à gerência por parte do arguido, mas isso não tenha arredado o gerente da gestão de facto da sociedade. E sendo condenado por atuação em nome de outrem nos termos do RGIT, está aqui incluída a responsabilidade do gestor de facto.
O caso
Uma sociedade por quotas, arguida, constituída em 1995, obrigava-se até 03.06.2008 com a assinatura conjunta de dois gerentes, os arguidos A e B. O arguido A veio a renunciar à gerência da sociedade em 2008 e a partir de 31.12.2008 apenas a intervenção do gerente B obrigava a sociedade. Contudo, continuou a exercer a gerência de facto após a renúncia.
Os arguidos efetuavam todos os pagamentos e representavam a sociedade em todas as situações. Para efeitos de IRC, a sociedade estava registada no regime geral de tributação e obrigada à entrega anual de declaração de IRC.
Os gerentes mandaram instalar no computador de faturação o programa Winrest e o software Sim.exe, que permitia alterar e reduzir os valores da faturação. Alteraram quantidades vendidas, valores dos produtos, recalcularam totais das faturas e documentos contabilísticos e apagaram ficheiros de caixa. Essa manipulação dos dados permitiu-lhes apresentar declarações de IRC de valor muito inferiores aos reais entre 2003 e 2008.
O património fiscal do Estado Português acabou lesado em pouco mais de 103 mil euros.
Ambos os arguidos tinham confessado integralmente e sem reservas os factos, e não se suscitado qualquer reserva quanto à genuinidade das declarações. Vieram a ser condenados por crimes de fraude fiscal simples e qualificada, com pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa por 5 anos, condicionada ao pagamento à Autoridade Tributária de 60 mil euros em prestações mensais de 1.000 euros, atendendo às condições económicas de ambos os arguidos.
Os ex-gerentes requereram depois, com 77 e 74 anos, a redução da pena para 1 ano e 6 meses e da mensalidade para 420 euros. Alegaram ainda a prescrição, mas o Tribunal entendeu não existir prescrição. O arguido B pretendia também a reavaliação da prova no que lhe respeitava, pois como gerente de facto defendeu que não deveria ser-lhe imputado dolo específico quanto às faturas de 2008.
Decisão da Relação de Lisboa
O TRL julgou os requerimentos improcedentes e manteve a decisão do tribunal a quo.
No que respeita à prescrição, o TRL considerou que o crime de fraude fiscal qualificada apenas prescreveria a 31.05.2025 e a fraude simples a 2.06.2023 após vários factos que teriam interrompido o prazo. Mesmo considerando que os factos pelos quais os arguidos se estavam condenados remontam aos anos de 2003 a 2008, o tempo total de suspensão da prescrição decorrente da suspensão do processo penal tributário ascendia a a 6 anos, 8 meses e 2 dias.
Quanto à gerência de facto, o TRL considerou que não foi invocado novo meio de prova além dos já considerados pelo tribunal a quo; apenas questiona a avaliação que o tribunal fez daqueles, ignorando a circunstância que a decisão de recurso de impugnação da matéria de facto não determina nem admite a realização de um novo julgamento, de modo a fazer substituir o entendimento do tribunal a quo pelo entendimento do tribunal superior.
E recorda que ambos confessaram integralmente e sem reservas. Decidiu que a decisão recorrida e respetiva fundamentação não merece reparo. De acordo com as regras da experiência comum, da normalidade das coisas e da lógica do homem médio, é razoável e verosímil o entendimento do tribunal a quo quanto à valoração da prova e à fixação da matéria de facto, existindo as provas para a decisão tomada e não se detetando qualquer violação de normas de direito probatório.
O TRL confirmou que, ao dar-se por provado que a renúncia formal à gerência por parte do arguido não o arredou da gestão de facto da sociedade, na qual se manteve, prolongou-se a atividade delituosa que confessou em julgamento. Além disso, foi condenado por atuação em nome de outrem, o que compreende a responsabilidade do gestor de facto.
Referências
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 18.06.2024
Regime Geral das Infrações Tributárias, artigos 6.º, 7.º, n.º 3, 21.º, 42.º, n.º 2, 47.º, 103.º, n.º 1, alíneas a) e b), 104.º, n.º 1, alínea d) e n.º 2
Código Penal, artigos 40.º, 71.º, 118.º, n.º 1, alínea b) e 119.º a 121.º