O Tribunal da Relação de Coimbra (TRC) decidiu que a gravação de palavras ou imagens sem o consentimento do visado não é ilícita quando se destine a realizar um interesse legítimo e relevante que, de outra forma, dificilmente seria realizado, como é o caso de crimes cometidos em locais não públicos, sem outras testemunhas, dos quais muito dificilmente se obteria prova, não fora a gravação.
O caso
Num de caso de violência doméstica, com insultos, agressões verbais, ameaças e tentativa de agressão física praticados por ambos os cônjuges, um contra o outro, no interior da habitação de ambos, o juiz entendeu que existia o risco fundamentado de ocorrerem novos factos, mais graves, e que estava em causa a salvaguarda da vida e da integridade de ambos, decretando as medias de coação de proibição de permanecerem e de frequentarem a casa, concedendo-lhes um prazo de quinze dias para a abandonarem a mesma, e de contactarem um com o outro.
Discordando dessa decisão, a arguida recorreu para o TRC pondo em causa a validade da prova recolhida e as medidas de coação aplicadas.
Apreciação do Tribunal da Relação de Coimbra
O TRC negou provimento ao recurso, confirmando o despacho recorrido, ao decidir que a gravação de palavras ou imagens sem o consentimento do visado não é ilícita quando se destine a realizar um interesse legítimo e relevante que, de outra forma, dificilmente seria realizado, como é o caso de crimes cometidos em locais não públicos, sem outras testemunhas, dos quais muito dificilmente se obteria prova, não fora a gravação.
Essas imagens ou gravações assim recolhidas só não poderão ser valoradas como meio de prova se a sua obtenção constituir um ilícito criminal. Para o efeito tem sido entendimento da jurisprudência que esse ilícito não se verifica, mesmo sem o consentimento do visado, sempre que exista justa causa para tal ou quando enquadradas em lugares públicos, visando a realização de interesses públicos, ou tenham ocorrido publicamente. Não se verificando um facto ilícito, a gravação pode e deve valer como meio legítimo de prova.
A aplicação de qualquer medida de coação, além do termo de identidade e residência, pressupõe que se verifique, em concreto, fuga ou perigo de fuga, perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova, ou perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a atividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade públicas.
É a existência, em concreto, desses perigos e não a gravidade do crime, que fundamenta a imposição de medidas de coação, ainda que essa gravidade tenha relevância em termos de proporcionalidade e de previsão da pena a aplicar em julgamento.
Nos casos, não muito frequentes, de violência doméstica recíproca e grave, em que não é possível atribuir a qualquer dos cônjuges maior responsabilidade, mantendo-se ambos inflexíveis e irredutíveis, sendo muito sério o perigo de continuação e escalada da atividade criminosa, justifica-se que ambos sejam proibidos de permanecer na casa de morada da família e de a frequentar.
Referências
Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 25 de outubro de 2024
Código de Processo Penal, artigos 126.º, 167.º, 193.º e 204.º