O Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS) decidiu que a Administração Tributária (AT) não pode avaliar a indispensabilidade dos custos à luz de critérios incidentes sobre a oportunidade ou razoabilidade da despesa e daí concluir, sem mais, que esses custos foram feitos em proveito do gerente da sociedade e proceder à sua tributação como adiantamento por conta de lucros.
O caso
Um artista bem conhecido do público foi alvo de uma inspeção tributária aos exercícios de 2003, 2004 e 2005 da qual resultaram correções meramente aritméticas à matéria tributável.
Em causa estavam despesas realizadas pelas suas empresas com imóveis, viagens de férias e de caráter particular e embarcações de recreio que a Administração Tributária (AT) entendeu que tinham sido realizadas em benefício dele e que, por isso, qualificou como adiantamentos por conta de lucros, sujeitos a tributação, em sede de IRS.
Mas chamado a apreciar a questão, o tribunal julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida pelo contribuinte, decisão da qual foram interpostos recursos para o TCAS.
Apreciação do Tribunal Central Administrativo Sul
O TCAS negou provimento aos recursos, mantendo a decisão recorrida, ao decidir que a AT não pode avaliar a indispensabilidade dos custos à luz de critérios incidentes sobre a oportunidade ou razoabilidade da despesa e daí concluir, sem mais, que esses custos foram feitos em proveito do gerente da sociedade e proceder à sua tributação como adiantamento por conta de lucros.
Um custo será fiscalmente dedutível se, por reporte ao momento em que foi contraído, se mostrar adequado à estrutura produtiva da empresa e à obtenção de lucros, em nada podendo relevar a circunstância dessa operação económica se apresentar improdutiva ou economicamente prejudicial ou mesmo danosa. Estando vedadas à AT atuações que coloquem em causa o princípio da liberdade de gestão e de autonomia da vontade do sujeito passivo.
Já em matéria de IRS, são considerados rendimentos de capitais sujeitos a imposto os lucros, incluindo os adiantamentos por conta de lucros, colocados à disposição dos respetivos titulares, desde que se demonstre, para o efeito, os factos génese.
Neste âmbito, a única presunção legalmente estabelecida para o efeito é a que resulta da norma segundo a qual os lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, se presumem feitas a título de lucros ou adiantamento dos lucros. Presunção essa que exige, desde logo, a existência desse registo na conta corrente do sócio, que reflita um acréscimo patrimonial na sua esfera jurídica.
Para o efeito, a questão do uso pessoal, nomeadamente pelos gerentes da sociedade, não constitui um facto notório, na medida em que apenas são passíveis de serem qualificados como tal os que sejam do conhecimento geral no país, os conhecidos pelo cidadão comum, pelas pessoas regularmente informadas, com acesso aos meios normais de informação, não bastando, contudo, qualquer conhecimento, sendo indispensável um conhecimento extenso, ou seja, elevado a tal grau da difusão que o facto apareça revestido do caráter de certeza, o que não pode resultar apenas da circunstância de estar em causa uma figura pública.
Uma coisa é o contribuinte ser um artista e figura pública, outra bem diferente é, face a essa mesma realidade, se retirarem conclusões sobre o uso concreto dos bens adquiridos pela sociedade da qual é sócio-gerente. Ademais, no caso, tendo em conta o caráter artístico da atividade do contribuinte, era perfeitamente plausível que dispusesse de espaços próprios para produção criativa dos programas e espetáculos e que realizasse viagens nesse âmbito, sem que, na falta de outras provas apresentadas pela AT, se pudesse afastar a indispensabilidade desses custos. Mas, ainda que fosse possível afastar a dedução desses custos em termos fiscais, tal apenas produziria efeitos úteis em sede de IRC, não sendo possível realizar uma inferência e extrapolação automática de que essas realidades eram passíveis de ser tributadas enquanto rendimentos da Categoria E, a qual tem sempre natureza residual. Inexistindo uma situação subsumível nessa presunção, caberia à AT demonstrar o fundamento da qualificação efetuada, o que no caso não logrou fazer.
Quanto aos rendimentos obtidos pelo contribuinte pela cessão de direitos de autor, constituindo os benefícios fiscais uma delimitação negativa dos factos tributários que lhe subjazem, era a ele que competia provar o preenchimento dos requisitos necessários para o englobamento de apenas metade do seu valor. Não estando, no caso, indicadas e discriminadas as obras sobre as quais foram pagos os referidos direitos de autor, torna-se impossível aferir sobre o preenchimento dos requisitos necessários para aplicação dessa isenção parcial prevista na lei.
Referências
Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no processo n.º 708/08.2BELRS, de 29 de fevereiro de 2024
Código do IRC, artigo 23.º
Código do IRS, artigo 6.º n.º 4
Código de Processo Civil, artigo 412.º