Quando duas irmãs dispõem de um terreno herdado e o vendem com ganhos há que ter em conta que compropriedade e sociedade irregular não são a mesma coisa e a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) não pode extrapolar quanto à constituição de uma sociedade irregular e tributar em sede de IRC.
O Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS) entendeu ainda neste caso que está vedada também a tributação em IRS por existência de sociedade em regime de transparência fiscal, com vista ao aproveitamento económico de prédio, quando as comproprietárias decidem vendê-lo a terceiro, conferindo-lhe, para o efeito, procuração irrevogável.
O caso
Uma contribuinte impugnou judicialmente a Fazenda Pública, na sequência do indeferimento parcial da reclamação graciosa que apresentara contra o ato tributário de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) do ano 2001 e juros compensatórios. Pediu a anulação dos atos e o reembolso do valor indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.
Discordava da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) que havia considerado que a contribuinte e a sua irmã tinham constituído uma sociedade civil sob a forma não comercial, enquanto coproprietárias de um terreno herdado a meias e para o qual tinham diligenciado a aprovação para urbanização. Mais considerou tratar-se de sociedade irregular que teria vendido o terreno já urbanizável no âmbito da sua atividade. Isto porque, em 1998, as irmãs tinham alienado imóveis de que eram coproprietárias, por contrapartida do pagamento do preço estabelecido no contrato-promessa de compra e venda do terreno.
Em inspeção, a AT apurara que a contribuinte e sua irmã exerciam atividade comercial conjunta, e tinham efetuado correções em sede de IRC (€3.466.024,68) o qual seria imputado em partes iguais às sócias em sede de IRS. A AT tinha, aliás, feito a inscrição oficiosa da sociedade.
O Tribunal Tributário de Lisboa deu razão à contribuinte e anulou as liquidações de IRS do ano de 2001 e juros compensatórios; entendeu não existir constituição de sociedade nem desenvolvimento de atividade comercial. Entendeu ainda que ato de liquidação era ilegal por vício de violação de lei dado pois o direito à liquidação do IRS de 2001 já estava caducado.
A Fazenda Pública recorreu da sentença por considerar que o tribunal não tinha analisado devidamente as provas da inspeção constantes do Relatório de Inspeção Tributária (RIT). Para a AT as coproprietárias não se teriam limitado a fruir estaticamente do terreno rústico, mas tinham aumentado o seu valor através, nomeadamente, da aprovação do loteamento que haviam requerido.
Na suas contra-alegações, a contribuinte defendeu que o único acréscimo patrimonial relativo aos imóveis na sua esfera, e suscetível de poder ser qualificado como rendimento para efeitos de tributação em sede de IRS, é o resultante do efetivo recebimento em 1998 de metade do valor acordado com o promitente-comprador e procurador para a venda desses terrenos, ou seja, 50% de mil milhões de escudos; já o valor das escrituras de compra e venda em apreço elencadas pela AT no RIT constituem rendimentos, sim, do promitente-comprador/procurador das proprietárias.
Decisão do Tribunal Central Administrativo Sul
O TCAS negou provimento ao recurso da Fazenda Pública e confirmou a sentença recorrida.
Se a atividade de um comproprietário de prédios rústicos, antes da venda dos lotes se limitou a apresentar pedido de licenciamento de loteamento sem qualquer atividade de urbanização ou realização de infraestruturas urbanísticas que permita inferir a intenção de associação entre comproprietários para prosseguir uma atividade económica, então os ganhos resultantes da venda dos lotes devem considerar-se como rendimentos obtidos com a prática de ato isolado de comércio e, por isso, a serem tributados na esfera jurídica dos comproprietários, como rendimentos empresariais, subsumíveis à categoria B para efeitos de IRS.
Se a AT considerar que foi constituída pelos comproprietários uma sociedade irregular e procedido à tributação daqueles ganhos em sede de IRC, a consequente liquidação deste imposto enferma de erro sobre os pressupostos de facto e de direito.
O TCAS entendeu, assim, que não estavam comprovados os pressupostos em que assentava o ato de liquidação, que se baseava na existência de uma sociedade irregular entre as comproprietárias do terreno com vista à exploração económica do terreno.
Para o TCAS a contribuinte e a irmã, comproprietárias do terreno, transferiram o mesmo para terceiro, ao qual atribuíram os poderes de alienação e disposição desse prédio e das frações que ali fossem construídas.
Não se trata aqui de sociedade não constituída sob forma regular e por isso sujeita ao regime de tributação em IRC da transparência fiscal.
Apontando jurisprudência assente nesta matéria o TCAS salienta que a nota distintiva entre a compropriedade e a sociedade irregular é que nesta última existe uma atividade comum exercida pelos sócios, que têm em vista a criação de uma utilidade nova, norteada para a obtenção de lucro, inversamente ao que sucede na compropriedade em que os consortes se limitam a usufruir dos simples frutos propiciados pelo património comum, com o mesmo espírito em que se move o proprietário singular.
Um pedido de licenciamento, per se, em nada permite inferir a vontade de exercício, em conjunto, de uma atividade comercial, tendente à formação de uma pessoa coletiva distinta quando, de resto, até já tinha sido outorgado o contrato de promessa de compra e venda, no qual tinha sido estipulado o preço do bem e bem assim que o efetivo suporte das despesas incorridas recairia na esfera jurídica da sociedade promitente compradora. Nem a alegada transformação do bem imóvel permite extrapolar quanto à constituição de uma sociedade irregular, e à tributação em sede de IRC. A assumirem-se tais atos como atos de comércio, tal não legitimaria a sua tributação em sede de IRC, mas sim em sede de IRS, enquanto atos isolados de comércio, com subsunção na categoria B.
Referências
Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 04.04.2024
CIRS, artigo 3.º n.ºs 1, alínea a) e 2, alínea h)
CIRC, artigo 6.º n.º 1, alínea a) e 3
Decreto-Lei n.º 442-A/88 de 30 de novembro, artigo 5.º
Lei Geral Tributária, artigos 35.º, n.º 1 e 76.º, n.º 1
Regulamento das Custas Processuais, artigo 6.º n.º 7
Código de Processo Civil, artigo 640.º
Código de Procedimento Administrativo, artigo 135.º