O Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS) decidiu que a Administração Tributária (AT) pode utilizar, simultaneamente, a aplicação de correções técnicas e de métodos indiretos, mas estes últimos só em último caso e nunca com base em juízos conclusivos e meras premissas sem expressividade.
O caso
Uma sociedade dedicada ao comércio de relógios e artigos de ourivesaria submeteu via Internet as suas declarações de rendimentos relativas aos exercícios de 2001 e 2002.
Alvo de uma inspeção tributária, a sociedade viu a Administração Tributária (AT) concluir pela existência de motivos para a aplicação de métodos indiretos por suspeitas de omissão de compras e vendas e falta de credibilidade da contabilidade.
Feitas as correções e emitida a liquidação adicional de IRC, a sociedade impugnou-a. A impugnação foi julgada procedente, decisão da qual a Fazenda Pública recorreu para o TCAS.
Apreciação do Tribunal Central Administrativo Sul
O TCAS concedeu parcial provimento ao recurso, na parte referente às correções técnicas, com a consequente manutenção do ato impugnado, nessa mesma proporção, e improcedente na parte respeitante às correções realizadas por recurso à avaliação indireta, com a consequente manutenção do vício de violação de lei e inerente anulação do ato de liquidação nesse segmento.
Decidiu o TCAS que a AT pode utilizar, simultaneamente, a aplicação de correções técnicas e de métodos indiretos, mas estes últimos só em último caso e nunca com base em juízos conclusivos e meras premissas sem expressividade.
Segundo a Constituição, deve evitar-se a existência de imposto sem rendimento efetivo. Contudo a tributação pelo rendimento real constitui um princípio ou uma regra que permite, excecionalmente, desvios ou exceções.
Nesse sentido, o recurso aos métodos indiretos pode ser utilizado mas só quando configure a única solução para se chegar à identificação do valor da matéria tributável efetiva, assumindo, assim, uma natureza subsidiária e residual, uma vez que se presumem verdadeiras as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos da lei. Com efeito, só passa a competir ao contribuinte a prova de que declarou todos as situações a que estava legalmente vinculado quando a AT tenha carreado elementos de facto que sejam suscetíveis de abalar essa presunção da escrita, nomeadamente em caso de omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não refletem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo.
Assim, compete à AT demonstrar a verificação dos pressupostos legais que permitem a tributação por métodos indiretos e, feita essa prova, recai sobre o contribuinte o ónus de demonstrar que houve erro ou manifesto excesso na quantificação.
Sendo que a legitimação da avaliação indireta não pode nunca apoiar-se em juízos conclusivos, em premissas sem expressividade, inventariação física sem respaldo nos exercícios em contenda, realidades de facto que permitiram fundar, justamente, a realização de correções técnicas, e na existência de relações especiais e operações simuladas sem qualquer conexão com os exercícios visados.
A existência de irregularidades contabilísticas só permite fundamentar a tributação presuntiva quando for impossível quantificar diretamente a matéria coletável, sendo que a morosidade, a excessiva onerosidade e a dificuldade não podem ser aventadas como justificação para a avaliação indireta.
Quanto às correções técnicas ao lucro tributável, o regime simplificado, em termos de IRC, é aplicável aos sujeitos passivos que não tenham atingido, no exercício da sua atividade, um valor superior ao estabelecido como limite e que não tenham optado pelo regime de contabilidade organizada. Essa opção pelo regime de contabilidade organizada tem de ser formalizada ou na declaração de início de atividade ou na declaração de alterações e até ao fim do terceiro mês do período de tributação do início da aplicação do regime, sendo a mesma válida por um período de três exercícios, findo o qual caduca.
No caso, não tendo a opção pelo regime de contabilidade organizada sido formalizada, nem na declaração de início de atividade, nem na declaração de alterações, apenas tendo existido uma menção na declaração respeitante ao exercício de 2002, no quadro atinente ao efeito do regime de tributação, nunca poderia essa opção ter-se por aceite, nem produzir quaisquer efeitos, mas sim ser mantida a sujeição do regime simplificado conforme determinado pela AT.
Por último, a AT pode utilizar, simultaneamente, a aplicação de métodos indiretos e de correções técnicas, porquanto o recurso à avaliação indireta representa, efetivamente, uma última via, o que significa que é possível cindir a determinação da matéria coletável.
Referências
Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no processo n.º 1290/06.0BELSB, de 4 de abril de 2024
Constituição da República Portuguesa, artigo 104.º n.º 2
Lei Geral Tributária, artigos 75.º, 81º, 83.º, 85.º, 87.º e 88.º
Código do IRC, artigo 53.º