O Fisco não pode fundamentar a recusa da indispensabilidade dos custos associados a Royalties pagos pelo uso de marcas, no regime de preços de transferência do CIRC, pois nada tem a ver com o escrutínio do critério da indispensabilidade do custo. O Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS) decidiu que a rejeição do carácter indispensável dos custos associados ao pagamento de Royalties pelo uso de marcas, não pode assentar na descaracterização dos negócios antecedentes de alienação de tais marcas.
Nesta decisão o TCAS esclarece qual a jurisprudência fiscal assente quanto ao requisito da indispensabilidade do custo.
O caso
Uma SGPS, sociedade dominante de um grupo de empresas tributadas pelo regime especial de tributação dos grupos de sociedades, deduziu impugnação judicial contra o ato de liquidação adicional de IRC relativa ao exercício de 2010 da qual resultou a pagar, após compensação, € 2.855.973,94, depois de ação de inspeção tributária efetuada às sociedades individuais por ordem da Unidade dos Grandes Contribuintes. A SGPS pediu a anulação dos atos tributários em causa.
Entre duas sociedades das sociedades do grupo existia um Contrato de Licenciamento nos termos do qual uma sociedade com atividade de comércio por grosso de produtos alimentares, bebidas e tabaco cedeu a outra, uma sociedade polaca de pesquisa de mercado, consultoria, publicidade e atividades no âmbito dos direitos de propriedade intelectual, pelo período mínimo de 20 anos, o direito exclusivo e a licença para utilizar as Marcas «R» e «M» para diferentes fins.
A sociedade obrigou-se a investir, pelo menos, 0,15% da sua receita bruta decorrente do contrato na promoção das duas marcas e no exercício de 2010, pagou 5.052.180,25€ à consultora polaca a título de royalties devidos pelo cumprimento do Contrato de Licenciamento.
A Administração Tributária entendeu que essa quantia contabilizada como custo referente a royalties não deveria concorrer para a formação do lucro tributável; os gastos subjacentes ao contrato de royalties não poderiam ser qualificados como sendo indispensáveis para a formação dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtora dos rendimentos, nos termos do artigo 23º do Código do IRC, porque não tinha sido demonstrada a indispensabilidade da operação em que os mesmos se consubstanciam.
O Tribunal Tributário de Lisboa julgou a impugnação parcialmente procedente; determinou a anulação parcial da liquidação adicional de IRC do exercício de 2010 e condenou a Fazenda Pública no pagamento da indemnização pela prestação da garantia indevida.
A Fazenda Pública recorreu.
Decisão do Tribunal Central Administrativo Sul
O TCAS negou provimento ao recurso e confirmou a sentença recorrida. Salientou que a AT pretendeu fundamentar a recusa da indispensabilidade dos custos associados aos Royalties pagos pelo uso das marcas em referência com base na invocação do regime de preços de transferência do CIRC e do abuso da forma jurídica da LGT, o que nada tem que ver com o escrutínio do critério da indispensabilidade do custo.
O TCAS considerou que o relatório inspetivo nada acrescentou sobre a questão da invocada dispensabilidade dos custos em causa. Ao contrário, centrou-se na alegada substância material ou económica do negócio que esteve na base do licenciamento das marcas, cujo uso em Portugal pela impugnante justifica os pagamentos em referência. Ora, sublinha, o uso por parte da recorrida das marcas em apreço, insere-se no objeto societário da mesma, um facto que nem foi contestado pela recorrente.
O ato tributário em causa pretende desconsiderar os custos em presença, com base na asserção da falta de substância do negócio anterior de cedência das marcas pela impugnante à sociedade. Entende o TCAS que isso extravasa o escrutínio do requisito da indispensabilidade do custo (artigo 23.º do CIRC) e nada de concreto aduz ou especifica sobre o alegado não preenchimento de tal requisito.
Ao assim procederem, os serviços da AT fundaram a correção num acervo de considerações incongruentes e que não permitem dilucidar a existência de um verdadeiro controlo do carácter indispensável dos custos em exame. Quanto à ocorrência de tais custos, nada é afirmado pela AT que permita afiançar ou suspeitar da sua não inserção no objeto societário da recorrida.
Portanto, a sentença recorrida não incorreu em erro de julgamento ao julgar procedente a impugnação, que foi confirmada pelo TCAS.
Está em causa nestes autos a não aceitação dos custos associados ao pagamento de Royalties à sociedade, pelo uso em Portugal, por parte da impugnante, das marcas duas marcas referidas.
Nos termos do CIRC (gastos e perdas) consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.
O TCAS aponta como jurisprudência fiscal assente, a propósito do requisito da indispensabilidade do custo, a seguinte:
- o requisito de indispensabilidade do “custo” (gasto) do artigo 23.º CIRC tem de ser aferido através de um juízo casuístico, não podendo associar-se ao êxito de gestão, não se confundindo com a sua oportunidade ou conveniência, não abrangendo apenas custos que direta e imediatamente conduzam à obtenção de ganhos ou à manutenção da unidade produtiva (nexo causal), antes abarcando igualmente custos que mediatamente visam esse fim (acórdão TCAS de 2021);
- o custo é uma despesa com um fim empresarial o que não quer dizer que tenha desde logo um fim imediata e diretamente lucrativo, mas que tem, na sua origem e na sua causa, um fim empresarial, concedendo a lei à AT poderes bastantes para recusar a aceitação como custo fiscal de despesas que se não possam considerar compatíveis com as finalidades a prosseguir pela empresa. A relevância fiscal de um custo depende da prova da sua necessidade, adequação, normalidade ou da produção do resultado (ligação a um negócio lucrativo), sendo que a falta dessas características poderá gerar a dúvida sobre se a causação é, ou não, empresarial (acórdão TCAS de 2021);
- a indispensabilidade de um custo é um conceito que reclama um preenchimento casuístico, em resultado de uma análise de perspetiva económica-empresarial, na perceção de uma relação de causalidade económica entre a assunção de um encargo e a sua realização no interesse da empresa, atento o objeto societário do ente comercial em causa, sendo vedadas à AT atuações que coloquem em crise o princípio da liberdade de gestão e de autonomia da vontade do sujeito passivo (acórdão TCAS de 2020);
- são custos fiscalmente dedutíveis todas as despesas que se relacionem diretamente com o processo produtivo (para o nosso caso, não interessa considerar as de investimento), designadamente, com a aquisição de fatores de produção, como é o caso do trabalho. Sob pena de violação do princípio da capacidade contributiva, a Administração só pode excluir gastos não diretamente afastados pela lei debaixo de uma forte motivação que convença de que eles foram incorridos para além do objetivo social, ou seja, na prossecução de outro interesse que não o empresarial, ou, ao menos, com nítido excesso, desviante, face às necessidades e capacidades objetivas da empresa (acórdão STA de 2006);
- para que um custo seja dedutível na determinação da matéria tributável para efeitos de IRC (cfr. art. 23.º do CIRC na redação anterior a 2014) - no entendimento que a doutrina e a jurisprudência têm vindo a adotar quanto à indispensabilidade como requisito -, impõe-se que, num juízo reportado ao momento em que foi efetuado, seja adequado à estrutura produtiva da empresa e à obtenção de lucros e a AT apenas pode desconsiderar os custos fiscais por não verificação da indispensabilidade se os mesmos não se inscreverem no âmbito da atividade do sujeito passivo e tiverem sido contraídos, não no interesse deste, mas para a prossecução de objetivos alheios (acórdão STA de 2023).
Referências
Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 24.04.2024
Código do IRC, artigos 23°, 58º
Código do Processo Civil, artigo 608º, nº 2
Lei Geral Tributária, artigo 38º