O Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS) decidiu que a mera utilização da palavra projeto num contrato de prestação de serviços não justifica, por si só, a sua tributação, sendo fundamental a aferir da realidade concreta, para se concluir se se está ou não perante prestações de serviços realizadas integralmente fora do território português que estejam relacionadas com estudos, projetos, apoio técnico ou à gestão, serviços de contabilidade ou auditoria e serviços de consultoria, organização, investigação e desenvolvimento.
O caso
Uma sociedade anónima, com sede em Portugal, dedicada à importação, exportação e comércio, a grosso ou a retalho, de diversos bens, celebrou um contrato de prestação de serviços com uma outra sociedade, com sede em Malta, com vista a elaborar um plano de estratégia de exploração e um plano de estratégia de compras para cinco restaurantes situados em Angola.
No decurso desse contrato, a sociedade com sede em Malta emitiu diversas faturas pelos serviços prestados. Como o contrato de prestação de serviços designava estes como sendo projetos, a Administração Tributária (AT) entendeu que os rendimentos obtidos pela elaboração desses projetos se consideravam obtidos em território nacional e estavam sujeitos a retenção na fonte, o que levou à emissão de liquidações de imposto que a sociedade impugnou.
A impugnação foi julgada procedente, decisão da qual a Fazenda Pública recorreu para o TCAS.
Apreciação do Tribunal Central Administrativo Sul
O TCAS negou provimento ao recurso, ao decidir que a mera utilização da palavra projeto num contrato de prestação de serviços não justifica, por si só, a sua tributação, sendo fundamental a aferir da realidade concreta, para se concluir se se está ou não perante prestações de serviços realizadas integralmente fora do território português que estejam relacionadas com estudos, projetos, apoio técnico ou à gestão, serviços de contabilidade ou auditoria e serviços de consultoria, organização, investigação e desenvolvimento.
São considerados obtidos em território português os rendimentos cujo devedor tenha residência, sede ou direção efetiva em território português ou cujo pagamento seja imputável a estabelecimento estável nele situado, relativos a prestações de serviços realizadas integralmente fora do território português, quando essas prestações estejam relacionadas com estudos, projetos, apoio técnico ou à gestão, serviços de contabilidade ou auditoria e serviços de consultoria, organização, investigação e desenvolvimento em qualquer domínio.
Por outro lado, não se consideram obtidos em território português os rendimentos que constituam encargo de estabelecimento estável situado fora desse território relativo à atividade exercida por seu intermédio e, bem assim, quando não se verificarem essas condições, quando os serviços de que derivam, sendo realizados integralmente fora do território português, não respeitem a bens situados nesse território nem estejam relacionados com estudos, projetos, apoio técnico ou à gestão, serviços de contabilidade ou auditoria e serviços de consultoria, organização, investigação e desenvolvimento em qualquer domínio.
Visa-se assim tributar situações de prestações de serviços desmaterializadas ou passíveis de ser realizadas integralmente de forma remota, ou seja, de prestações de serviços que, no fundo, podem ser realizadas a partir de qualquer ponto do globo, com o inerente risco acrescido de ausência de tributação.
Não é a mera utilização da palavra projeto num contrato de prestação de serviços que justifica, por si só, a aplicação dessa disposição legal, sendo fundamental a aferir da realidade concreta, para se concluir se se está ou não perante prestações de serviços sujeitas a tributação. Não podendo a AT demitir-se dessa aferição, sustentando-se, em termos de fundamentação, num argumento puramente terminológico, aquém do que lhe é exigível.
No caso, não foi prestado um mero serviço desmaterializado, mas sim um conjunto de serviços, que abrangeram, não só o planeamento, como a sua execução. Ainda que se pudesse conceber que uma parte das prestações de serviços se enquadrava no conceito de projeto, na sua componente desmaterializada, há uma parte que tem a ver com a execução de diversas prestações de serviços relacionadas com a própria implementação do planeado e que extravasam o alcance da norma de incidência. Logo, não é possível afirmar estar-se perante rendimentos totalmente considerados como obtidos em território nacional, pelo que não podem, os mesmos, ser sujeitos a qualquer tipo de tributação.
Ainda que pudesse haver uma componente de projeto, essa componente nunca abrangeria todas as prestações de serviços, não sendo possível mensurar que parte respeita ao quê, dado que a AT nem diligenciou nesse sentido. Logo, mesmo nesta perspetiva, a impossibilidade de mensuração das diversas componentes implica que a correção, no seu todo, padeça de erro sobre os pressupostos.
Referências
Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 16 de maio de 2024
Código do IRC, artigo 4.º