O Supremo Tribunal Administrativo (STA) decidiu que os ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor só concorrem para a formação do lucro tributável quando esteja comprovado o valor da perda ocorrida.
O caso
No decurso de 2014, uma sociedade comercial registou na sua contabilidade um gasto com perdas relacionadas com obrigações emitidas por um banco e que tinham deixado de poder ser transacionadas.
Mas a Administração Tributária (AT) entendeu que o encargo em causa não reunia os pressupostos legais para ser dedutível em sede de IRC, tendo procedido à correção do lucro tributável e à emissão da correspondente liquidação adicional de imposto e juros compensatórios.
Discordando dessa decisão, a sociedade comercial impugnou judicialmente a liquidação, mas sem sucesso, o que a levou a recorrer para o STA.
Apreciação do Supremo Tribunal Administrativo
O STA negou provimento ao recurso, ao decidir que os ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor só concorrem para a formação do lucro tributável quando esteja comprovado o valor da perda ocorrida.
Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC, nomeadamente as perdas por reduções de justo valor em instrumentos financeiro
No entanto, os ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor não concorrem para a formação do lucro tributável no exercício em que se verifiquem, mas unicamente naquele em que sejam alienados, exercidos, extintos ou liquidados.
No plano abstrato, os ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor concorrem para a formação do lucro tributável. No plano concreto, porém, é imperativo, para que esses ajustamentos tenham impacto na formação do lucro tributável, que haja uma comprovação da perda ocorrida.
Ora, qualquer perda, ou gasto, tem de ser devidamente comprovada. No caso a medida da perda não foi determinada, na medida em que a sociedade comercial não logrou provar que o valor do papel comercial fosse de zero euros.
Verificou-se uma suspensão da negociação das ativos financeiros, um atraso no pagamento de juros e outras vicissitudes que, por estarem ainda em curso no final de 2014 e serem apenas um prelúdio de uma série de acontecimentos que surgiriam em exercícios seguintes, comprometeram compreensivelmente, pela incerteza e emergência da situação, a possibilidade de determinar o valor dos ativos.
Tudo isto agravado pelo princípio da especialização dos exercícios que limita, regra geral, a imputação das perdas e gastos aos exercícios em que se verificam.
Acresce que, entretanto, o sujeito passivo foi reembolsado de parte do valor investido
Assim, considerando que, face à matéria provada relativamente ao exercício de 2014, não era possível refletir a perda de valor dos ativos na liquidação de IRC desse exercício em concreto, deve ser mantida a correção levada a cabo pela AT.
Referências
Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 3 de julho de 2024
Código do IRC, artigos 23.º n.º 1 alínea j) e 18.º n.º 9