O Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS) decidiu que a qualificação de não documentadas está reservada para despesas que careçam em absoluto de comprovativo documental e estas, além de sujeitas a tributação autónoma, não são consideradas custo fiscal.
Apenas despesas confidenciais ou não documentadas são passíveis de tributação autónoma, e não se inclui nas despesas não documentadas os encargos não devidamente documentados, ou seja, aqueles que embora tenham suporte documental, este não se encontra devidamente emitido.
Estes encargos serão ou não considerados custo fiscal, consoante o sujeito passivo consiga, ou não, justificar a operação contabilizada, para que a AT possa controlar as relações económicas em causa.
O caso
A Fazenda Pública recorreu da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Loulé que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial apresentada por uma cooperativa que comercializa moluscos a retalho, em estabelecimentos especializados.
A impugnação visava as liquidações adicionais de IRC e IVA referentes aos anos de 2014 e 2013, emitidas na sequência de ação inspetiva.
A cooperativa tinha participado no Festival do Marisco de Olhão no 3.º trimestre de 2013, e faturado prestações de serviço no montante € 25.755,64, tributáveis em sede de IVA à taxa normal. Em 2014, tinha adquirido 24.431, 20 Kg de marisco a cidadãos estrangeiros.
Conforme testemunho aceite de uma bióloga marinha que, desde 2010, trabalhava para a cooperativa, em 2014 um grupo grande de pessoas oriundas da Roménia levava os bivalves à cooperativa.
Tais compras foram registadas, debitadas como trabalhos especializados (cód. 6221) e incluídas no resultado contabilístico do período como despesas de serviços de manutenção de viveiros, no valor de € 10.025,00. Estavam suportadas apenas por um documento interno, emitido mensalmente.
Na sequência de uma ação inspetiva (entre 30/06/2016 e 22/08/2016) foram emitidas liquidações adicionais de IVA de € 86.544,55.
O TAF julgou parcialmente procedente a impugnação da cooperativa e determinou a anulação da liquidação adicional de IRC e respetivos juros compensatórios, na parte relativa a tributações autónomas.
O Fisco recorreu.
Decisão do Tribunal Central Administrativo Sul
O TCAS negou provimento ao recurso e confirmou a sentença do TAF. Decidiu que os factos que a AT pretenderia ver contemplados no probatório como provados, de modo a realçar a natureza interna dos documentos de suporte e a não comprovação da identificação fiscal dos destinatários da despesa, não revestem interesse para a qualificação jurídica da despesa como não documentada, pressuposto necessário da tributação autónoma, nos termos do CIRC.
Ao qualificar como não documentadas despesas indevidamente documentadas e ao sujeitar estas a tributação autónoma, a AT incorreu em erro nos pressupostos, pelo que o TAF decidiu bem pela ilegalidade da liquidação na parte em que considera existir tributação autónoma, por violação do CIRC.
Só as despesas confidenciais ou não documentadas são passíveis de tributação autónoma, não se incluindo nas despesas não documentadas os encargos não devidamente documentados. A qualificação de não documentadas reserva-se para as despesas que careçam em absoluto de comprovativo documental, sendo que estas, para além de sujeitas a tributação autónoma, não são consideradas custo fiscal.
Os encargos não devidamente documentados são aqueles que têm suporte documental, mas este não está devidamente emitido. Estes encargos serão ou não considerados custo fiscal, consoante o sujeito passivo consiga, ou não, justificar a operação contabilizada, em termos de permitir à Administração Fiscal um controlo eficaz das relações económicas do lado do adquirente e do fornecedor ou prestador, uma vez que à revelação de um custo para um agente, contrapõe-se um proveito para o outro.
O TCAS remete para o CIRC quanto às definições aplicáveis e para o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 04/19/2017 quanto à terminologia aqui em causa, para clarificação. Conforme o STA, a terminologia legal é suficientemente esclarecedora de que o legislador estabeleceu diferença entre encargos não devidamente documentados e despesas não documentadas, reservando esta qualificação para as despesas que careçam em absoluto de comprovativo documental.
O TCAS esclarece que, em relação à diferença entre despesas confidenciais e despesas não documentadas:
- despesas confidenciais: serão aquelas relativamente às quais não é revelada a sua natureza, origem e finalidade;
- despesas não documentadas: serão despesas relativamente às quais não existe prova documental, embora não haja ocultação da sua natureza, origem ou finalidade.
Todas elas, no entanto, serão despesas não comprovadas documentalmente.
Só as despesas confidenciais ou não documentadas são passíveis de tributação autónoma. Não se incluem nas despesas não documentadas os encargos não devidamente documentados.
A lei reserva a qualificação de não documentadas para as despesas que careçam em absoluto de comprovativo documental, sendo que estas, para além de sujeitas a tributação autónoma, não são consideradas custo fiscal.
Já os encargos não devidamente documentados, são aqueles que embora tenham suporte documental, este não se encontra devidamente emitido. Estes encargos serão ou não considerados custo fiscal, consoante o sujeito passivo consiga, ou não, justificar a operação contabilizada, em termos de propiciar à Administração fiscal um eficaz controlo das relações económicas quer do lado do adquirente quer do fornecedor, uma vez que, como se sabe, à revelação de um custo para um agente, contrapõe-se um proveito para o outro.
Neste caso, o TCAS entendeu que se está perante despesas contabilizadas a que falte em absoluto comprovativo documental, pois existem documentos internos com conteúdo corroborado por prova testemunhal que revelam a sua natureza, origem e finalidade e o nome dos fornecedores. No caso particular das despesas correspondentes a serviços de manutenção de viveiros, o documento interno não permite identificar a entidade prestadora do serviço, mas isso não caracteriza a despesa como não documentada, sendo antes de qualificar como não devidamente documentada.
Em 2014 a cooperativa adquiriu de marisco a cidadãos estrangeiros, tendo registado tais compras numa listagem de que consta apenas o nome dos fornecedores e o montante pago a cada um, sem outros elementos identificativos dos fornecedores além do preço pago; e, com referência ao mesmo período, contabilizou despesas correspondentes a serviços de manutenção de viveiros de certo valor, suportados apenas por um documento interno emitido em cada mês com a designação “Folha de Despesa”, sem indicação da entidade prestadora.
E uma testemunha atestou, de forma credível, que as compras dos bivalves ao referido grupo de pessoas foram efetivamente realizadas.
Só as despesas não documentadas são passíveis de tributação autónoma, reservando-se a qualificação de não documentadas para as despesas que careçam em absoluto de comprovativo documental. Estas, para além de sujeitas a tributação autónoma, não são consideradas custo fiscal, ao passo que as despesas não devidamente documentadas não estão sujeitas a tributação autónoma, dependendo a sua aceitação como custo fiscal consoante o sujeito passivo consiga, ou não, justificar a operação contabilizada.
O CIRC determina que, para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC. E não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação, relativos a despesas não documentadas.
Quanto a taxas de tributação autónoma, o CIR dispunha que as despesas não documentadas seriam tributadas autonomamente, à taxa de 50%, sem prejuízo da sua não consideração como gastos (conforme 23.º-A/1b). Essa taxa é elevada para 70% nos casos em que tais despesas sejam efetuadas por sujeitos passivos total ou parcialmente isentos, ou que não exerçam, a título principal, atividades de natureza comercial, industrial ou agrícola e ainda por sujeitos passivos que aufiram rendimentos enquadráveis no artigo 7º.
Referências
Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 11.07.2024
CIRC, artigos 23.º, 23.º-A, 88.º
Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 19.04.2017