O Supremo Tribunal Administrativo (STA) decidiu que, se uma sociedade deduz reclamação graciosa depois de interpor impugnação judicial, na qual questiona a legalidade das liquidações por falta de dedução dos Pagamentos Especiais por Conta (PEC) e pede, com este fundamento, a anulação da liquidação adicional decidida pela AT, então o tribunal tem de apreciar essa questão, sob pena de nulidade da sentença, por omissão de pronúncia.
O caso
O Tribunal Tributário (TAF) de Lisboa julgou improcedente a impugnação judicial deduzida por uma sociedade anónima, parte de um Grupo, contra a liquidação adicional de IRC de € 3.417,35, dos exercícios de 2010 e 2011, por falta de dedução dos PEC.
A sociedade recorreu contra as liquidações adicionais emitidas pela AT resultantes de inspeção tributária, que declarou a cessação de aplicação do regime especial de tributação dos grupos de sociedades (RETGS) ao Grupo B. A título prévio, concluiu que a sentença do TAF seria nula por omissão de pronúncia, por não se ter pronunciado nem julgado a invocada ilegalidade das liquidações adicionais por falta de dedução dos PEC nos termos peticionados. Defendeu ainda que não seria aplicável o requisito de detenção da participação da sociedade dominada por mais de um ano.
Em fevereiro de 2021, o tribunal manteve validade da sentença. Considerou que, não tendo sido invocada na petição inicial factualidade relativa à falta de dedução dos PEC dos exercícios de 2008 a 2011 nem aí formulado qualquer pedido, não existia fundamento para julgar verificada nulidade por omissão de pronúncia.
O tribunal considerou que as alegações finais apresentadas não podem servir esse propósito.
Decisão do Supremo Tribunal Administrativo
O STA julgou verificada a nulidade da sentença por omissão de pronúncia e concedeu provimento ao recurso jurisdicional. Determinou ainda a baixa dos autos ao Tribunal de 1ª instância para proceder ao seu suprimento.
A questão da legalidade ou ilegalidade das liquidações por falta de dedução dos PEC foi suscitada na reclamação graciosa deduzida posteriormente à interposição da petição inicial e nesta, além de terem sido invocados os factos determinantes para essa avaliação foi expressamente pedido a sua anulação com esse fundamento.
Tendo a Autoridade Tributária e Aduaneira remetido essa reclamação ao processo de impugnação judicial, e reportando-se expressamente a este vício e pedido, a recorrente alegou que se impunha à juíza a apreciação desta questão, tanto mais que não estava prejudicada na sua apreciação por qualquer uma das que havia conhecido na sentença recorrida.
O STA refere que vários acórdãos seus foram já proferidos no mesmo sentido em processos de Impugnação Judicial que opuseram outras sociedades do mesmo Grupo,
A recorrente tinha alegado a nulidade da sentença por o Tribunal não ter conhecido de questão que expressamente lhe submeteu para julgamento: a ilegalidade das liquidações.
No âmbito da reclamação apenas foi invocada a ilegalidade das liquidações e peticionada a sua anulação por falta de dedução dos PEC. A alegação e a pretensão ficaram igualmente invocadas nas alegações finais.
Portanto, para o STA, o tribunal não podia ter deixado de se pronunciar sobre a questão, cujo conhecimento omitiu.
O STA sublinha ainda a falta de contra-alegações e o entendimento da Procuradora-Geral Adjunta no processo que, cujo relatório era também no sentido de verificação de nulidade da sentença.
Assim, a juíza foi mal ao entender que não se verifica nulidade alguma uma vez que não tinha de se pronunciar, por tal vício não ter sido imputado às liquidações na petição inicial.
Uma vez que o Tribunal assumiu expressamente que não conheceu da questão, o julgamento de verificação ou não da nulidade está exclusivamente dependente de existir ou não um dever de apreciação de questão não suscitada na petição inicial.
Nos termos do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), existe nulidade de pronúncia sempre que o Juiz, tendo-lhe sido colocada questão de cujo desfecho a parte pretende extrair consequências relevantes para a pretensão que quer ver reconhecida em juízo, não conhece nem justifica a omissão desse conhecimento.
Mas o SAT salienta que não é suficiente definir-se este âmbito de aplicação; há um dever de conhecer, um tempo e modo próprio de serem suscitadas ou colocadas para julgamento. No processo judicial tributário impugnatório a sede e tempo próprios é na petição inicial. O CPPT prevê que a parte deve concentrar no articulado inicial os vícios que imputa ao ato, sob pena de ver precludido o seu direito de os invocar. Ou seja, não existindo norma expressa a impor o conhecimento de outras questões não invocadas na petição inicial, não existe o dever do juiz delas conhecer, mesmo que invocadas em alegações finais.
No entanto, o STA esclarece que, no caso, existe o dever de o Tribunal conhecer a questão ou vício de ilegalidade imputado às liquidações decorrente dos PEC, uma vez que, tendo a impugnante deduzido reclamação graciosa depois de deduzida Impugnação judicial foi apensa à impugnação judicial, no estado em que se encontrava, devendo ser considerada para todos os efeitos no âmbito do processo de impugnação.
Referências
Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 29.05.2024
Código de Procedimento e de Processo Tributário, artigos 108.º, 111.º, n.º 4 e 125.º
Código de IRC, artigo 69.º, n.º 5 e 8