O Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) anulou em setembro o acórdão do Tribunal Geral relativo às decisões fiscais adotadas pela Irlanda a favor de duas sociedades do grupo Apple uma vez que não eram residentes fiscais irlandesas. No entender do TJUE, face ao direito irlandês relativo ao cálculo da tributação das sociedades não residentes, as atividades das sucursais da Apple na Irlanda devem ser comparadas com as atividades de outras entidades dessas sociedades, em especial, as suas sedes situadas fora da Irlanda, e não comparadas com as atividades exercidas pelas outras sociedades do grupo Apple, nomeadamente com uma sociedade-mãe nos Estados Unidos.
O caso
A Comissão Europeia (CE) tinha decidido em 2016 que as sociedades pertencentes ao grupo Apple tinham beneficiaram de vantagens fiscais entre 1991 e 2014 que se traduziam em auxílio de Estado concedido pela Irlanda, no que respeita ao tratamento fiscal de lucros gerados por atividades da Apple fora dos Estados Unidos. Para a CE existia uma vantagem seletiva que reduzia os encargos que a ASI e a AOE deveriam normalmente suportar no âmbito das suas atividades correntes.
A questão centrou-se nessas duas decisões fiscais a favor de duas sociedades do grupo Apple - Apple Sales International (ASI) e Apple Operations Europe (AOE) - constituídas como sociedades de direito irlandês, mas que não eram residentes fiscais irlandesas. As decisões fiscais aprovaram métodos utilizados pela ASI e pela AOE para determinar os seus lucros tributáveis na Irlanda, relativos às atividades comerciais das respetivas sucursais irlandesas.
A Irlanda recorreu para o Tribunal Geral, que lhe deu razão e anulou a decisão da Comissão em 2020; considerou que a CE não tinha provado a existência de uma vantagem seletiva a favor dessas sociedades que tivesse conduzido a uma redução preferencial da matéria coletável na Irlanda.
A Comissão recorreu.
Decisão do TJUE
O TJUE confirmou o entendimento da CE e anulou o acórdão do Tribunal Geral.
Esta decisão, em sede de recurso, põe termo ao litígio.
Para o TJUE, o Tribunal Geral cometeu erros quando considerou que a Comissão não tinha conseguido fazer prova bastante de que as licenças de propriedade intelectual detidas pela ASI e pela AOE e os correspondentes lucros, gerados pelas vendas dos produtos Apple fora dos Estados Unidos, deviam ter sido imputados, para efeitos fiscais, às sucursais irlandesas.
Relativamente à tributação normal dos lucros nos termos do direito fiscal irlandês, o TJUE considerou que o Tribunal Geral não poderia ter sustentado validamente que a CE não tentou demonstrar que as sucursais irlandesas da ASI e da AOE tinham efetivamente exercido as atividades relacionadas com as licenças de PI do grupo Apple, que justificava que as Autoridades Tributárias irlandesas deveriam ter imputado a essas sucursais as licenças de PI do grupo Apple detidas pela ASI e pela AOE e que, consequentemente, todos os rendimentos comerciais da ASI e da AOE deveriam ter sido considerados resultantes da atividade das referidas sucursais.
Para o TJUE todos os fundamentos dirigidos contra as apreciações da Comissão relativas ao seu raciocínio a título principal e que dizem respeito, por um lado, à identificação do quadro de referência e, por outro, à tributação normal nos termos do direito irlandês aplicável no presente processo devem ser julgados improcedentes.
Não se exige que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, uma vez que a questão de saber se a fundamentação de um ato satisfaz as exigências deste artigo deve ser apreciada tendo em conta não só o seu teor, mas também o seu contexto e o conjunto das regras jurídicas que regulam a matéria em causa.
O TJUE sublinha que a Irlanda, a ASI e a AOE estiveram estreitamente associadas ao procedimento formal de investigação e tiveram a possibilidade de contestar utilmente o mérito da decisão controvertida.
Assim, as atividades das sucursais da ASI e da AOE na Irlanda não podem ser comparadas com as atividades exercidas pelas outras sociedades do grupo Apple, como, por exemplo, uma sociedade-mãe nos Estados Unidos, ao abrigo do direito irlandês relativamente ao cálculo da tributação das sociedades não residentes. Devem ser comparadas com as atividades de outras entidades dessas sociedades, em especial, as suas sedes situadas fora da Irlanda.
São confirmadas as decisões da CE sobre o tratamento fiscal de lucros gerados por atividades da Apple fora dos Estados Unidos.
O caráter seletivo da vantagem concedida à ASI e à AOE pelas rulings fiscais controvertidas está suficientemente demonstrado, com base no raciocínio da Comissão a título principal na decisão controvertida, pelo que não é necessário examinar os fundamentos e argumentos invocados pela Irlanda, pela ASI e pela AOE para contestar as apreciações feitas pela Comissão no âmbito dos seus raciocínios a título subsidiário e a título alternativo. Os recursos devem, portanto, ser julgados improcedentes.
Referências
Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção), de 10.09.2024
TFUE, artigo 296.º