O Supremo Tribunal Administrativo (STA) decidiu que o artigo 55.º do Código do IRS (dedução de perdas) não é facultativo caso o contribuinte opte pelo englobamento. É antes a única possibilidade de opção que o Código atribui ao contribuinte - englobar ou não os rendimentos previstos. Nesta decisão o STA alinha-se com o entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) nesta matéria.
Assim, se o contribuinte optar pelo englobamento, pode reportar as perdas para os dois anos seguintes; caso contrário não poderá fazer o reporte das perdas nos dois anos seguintes.
O caso
Um contribuinte tinha recorrido da liquidação do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) do ano de 2013, depois de indeferida a sua reclamação junto da Autoridade Tributária (AT).
O contribuinte defendeu que tinha procedido à alienação de direitos reais sobre imóveis e de partes sociais nesse ano e, como resultado dessas operações, tinha decorrido uma mais-valia na venda dos imóveis (venda das partes sociais, determinado por subtração do valor de aquisição ao valor de realização, descontadas as despesas). Considerou que a mais ou a menos-valia apurada é a que resulta da diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição acrescido das despesas que foram necessárias e efetivamente praticadas inerentes à alienação das operações.
O Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada deu-lhe razão a 18-12-2023, e anulou o ato de liquidação na parte correspondente ao apuramento dos rendimentos da categoria G sujeitos a englobamento.
A AT recorreu para o STA por entender que o TAF tinha aplicado erradamente o Código do IRS (dedução de perdas) já que o artigo em causa (artigo 55.º do CIRS) não poderia servir de base para justificar a impossibilidade de conciliação entre os saldos das mais e das menos-valias apuradas pelo impugnante no ano de 2013. No entender da AT, se assim fosse, o legislador não teria introduzido nesse mesmo artigo os números 5 e 6, que se aplicam a diferentes tipos de mais-valias.
O recorrido contra-alegou; defendeu que o CIRS não exige que o saldo a apurar seja entre rendimentos com a mesma natureza, e que se deve considerar o saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano. O artigo 55º não seria aplicável, uma vez que o saldo negativo resultante da alienação das partes sociais seja reportado no próprio ano, e não nos anos seguintes.
Decisão do STA
O STA entendeu que o saldo negativo de alienações onerosas de partes sociais e outros valores mobiliários pode ser reportado para os dois anos seguintes, caso o contribuinte tenha optado pelo englobamento no ano em que o mesmo se verificou e caso, nos anos seguintes, existam mais-valias (saldo positivo) provenientes, também, da alienação onerosa de partes sociais e outros valores mobiliários.
Consequentemente, foi revogada a sentença no segmento impugnado, e concedido provimento ao recurso jurisdicional interposto pela AT.
Para o STA é inequívoco que as mais ou menos valias previstas no artigo 10.º CIRS têm regimes diversos.
Só relativamente às seguintes mais ou menos valias é possível, ao sujeito passivo, optar pelo englobamento:
- alienação onerosa de partes sociais e de outros valores mobiliários;
- operações relativas a instrumentos financeiros derivados, com exceção de certos ganhos;
- operações relativas a warrants autónomos, quer o warrant seja objeto de negócio de disposição anteriormente ao exercício ou quer seja exercido, neste último caso independentemente da forma de liquidação;
- operações relativas a certificados que atribuam ao titular o direito a receber um valor de determinado ativo subjacente, com exceção de certas remunerações.
Só nestas alíneas [b), e), f) e g), do n.º 1] é possível, ao sujeito passivo, optar pelo englobamento.
As mais ou menos valias são de englobamento obrigatório ainda que apenas por 50%:
- alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis;
- alienação onerosa da propriedade intelectual ou industrial ou de experiência adquirida no setor comercial, industrial ou científico, quando o transmitente não seja o seu titular originário;
- cessão onerosa de posições contratuais ou outros direitos inerentes a contratos relativos a bens imóveis.
Embora os rendimentos de uma determinada categoria, se forem positivos, sejam, em princípio, comunicáveis aos rendimentos das outras categorias, já não são comunicáveis se forem negativos, devendo, antes, a perda sofrida ser reportada, para efeitos da respetiva dedução, aos eventuais rendimentos positivos apurados na mesma categoria nos anos posteriores.
Assim, o artigo 55.º do CIRS não é facultativo, e a utilização do verbo “pode” apenas se refere ao reporte de perdas caso o contribuinte opte pelo englobamento, sendo essa é a única possibilidade de opção que a lei (o CIRS) atribui ao contribuinte - englobar ou não os rendimentos previstos. Se o contribuinte optar pelo englobamento, pode reportar as perdas para os dois anos seguintes, caso contrário não poderá fazer o reporte das perdas nos dois anos seguintes.
O STA esclarece ainda que a lei permite, apenas, que o saldo negativo das alienações onerosas de partes sociais e outros valores mobiliários, seja reportado para os dois anos seguintes, caso o contribuinte tenha optado pelo englobamento no ano em que o mesmo se verificou e caso, nos anos seguintes, existam mais-valias (saldo positivo) provenientes, também, da alienação onerosa de partes sociais e outros valores mobiliários.
A decisão recorrida tinha entendido que a liquidação impugnada deveria ter considerado o saldo resultante da diferença entre a mais-valia decorrente da alienação dos bens imóveis e a menos-valia respeitante à alienação das partes sociais, por considerar que a lei não permite que as aludidas perdas (menos-valias) sejam compensadas com as mais-valias resultantes da alienação de bens imóveis.
Ao contrário, o STA acompanha a AT nesta questão. A lei permite, apenas, que o saldo negativo das alienações onerosas de partes sociais e outros valores mobiliários, seja reportado para os dois anos seguintes, caso o contribuinte tenha optado pelo englobamento no ano em que o mesmo se verificou e caso, nos anos seguintes, existam mais-valias (saldo positivo) provenientes, também, da alienação onerosa de partes sociais e outros valores mobiliários, situação que implica a procedência do presente recurso, a revogação da sentença recorrida no segmento impugnado, com a consequente improcedência da impugnação judicial nesse domínio.
Referências
Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 08.05.2024
Código do IRS, artigos 10.º, artigo 22º nº 3, al. b), 55.º, 72º n.ºs 4 e 8