O Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN) decidiu que, embora, segundo o princípio do inquisitório, a Administração Tributária (AT) possa utilizar todos os meios de prova legalmente previstos que sejam necessários ao correto apuramento dos factos, na mesma não se pode substituir, por completo, aos deveres de escrituração e de declaração que impendem sobre os contribuintes e que lhes impõem um conjunto de obrigações de escrituração para dar a conhecer, de forma fácil, clara e precisa, as suas operações comerciais e contabilísticas.
O caso
Uma sociedade foi alvo de uma inspeção tributária durante a qual se verificou que, em relação ao exercício de 1999, a sua contabilidade não estava organizada nos termos exigidos por lei. Apesar de notificada para proceder à regularização dessa situação, ela nada fez.
Em causa estava a falta dos livros obrigatórios, a inexistência de qualquer balancete e de inventários de existências, a falta de inúmeros elementos contabilísticos e a inexistência de uma organização sequencial dos documentos.
Esta situação levou a Administração Tributária (AT) a concluir que não estavam reunidas as condições necessárias à comprovação da legitimidade do IVA deduzido pela sociedade e pela falta de declaração de imposto que havia sido liquidado, procedendo à correção das respetivas declarações periódicas, decisão com a qual a sociedade não se conformou, tendo dela reclamado e depois recorrido para tribunal.
Este julgou a impugnação improcedente, decisão da qual a sociedade recorreu para o TCAN, defendendo que a AT nada fizera para apurar a verdade material e para encontrar a real situação da empresa para efeitos de fixação do imposto devido.
Apreciação do Tribunal Central Administrativo Norte
O TCAN negou provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida, ao decidir que, embora, segundo o princípio do inquisitório, a AT possa utilizar todos os meios de prova legalmente previstos que sejam necessários ao correto apuramento dos factos, não pode a mesma se substituir, por completo, aos deveres de escrituração e de declaração que impendem sobre os contribuintes e que lhes impõem um conjunto de obrigações de escrituração para dar a conhecer, de forma fácil, clara e precisa, as suas operações comerciais e contabilísticas.
No âmbito do apuramento do IVA, importa que o sujeito passivo disponha de uma contabilidade organizada, a qual deve obedecer a determinados requisitos legais cuja organização deve permitir o conhecimento exato de todos os elementos necessários ao cálculo do imposto e ao preenchimento das declarações periódicas. Assim, essa contabilidade deve ser clara por forma a possibilitar o conhecimento claro e inequívoco dos elementos necessários ao cálculo do imposto e a permitir o seu controlo, comportando todos os dados necessários ao preenchimento da declaração periódica do imposto.
Se o tratamento do IVA se enquadra num processo contabilístico e formal, em que a documentação revela requisitos especiais, não estando a contabilidade organizada e faltando elementos essenciais da mesma, desde logo a classificação dos documentos e registados nas respetivas rubricas, não pode querer o contribuinte que as obrigações que sobre si impendiam sejam supridas pela AT.
Cabe à AT o dever de demonstrar os pressupostos legais e vinculativos da sua atuação e ao contribuinte apresentar prova bastante da ilegitimidade do ato, o que, no entanto, tem de ser temperado com o princípio da verdade material e, por consequência, com o da oficiosidade da investigação e indagação das provas, que rege o procedimento tributário.
No caso, considerando que os princípios da capacidade contributiva e da tributação pelo lucro real não são absolutos, antes têm como limites outros valores constitucionalmente protegidos, numa ponderação global dos interesses em presença, mediada pelo princípio da proporcionalidade, deve dar-se prevalência à proteção do interesse público no combate à fuga e evasão fiscal, subjacente às exigências de natureza formal.
Deixando o contribuinte de beneficiar da presunção de veracidade e da boa-fé das suas declarações em virtude da sua contabilidade não obedecer às regras legais e conter omissões, erros e inexatidões que indiciam que não refletem a real matéria coletável, terá o mesmo de levar a cabo um esforço acrescido para provar os factos relevantes para a matéria coletável, o que, no caso, passaria, naturalmente, por ter corrigido e sanado todas as omissões e irregularidades da sua contabilidade.
No procedimento tributário cabe ao contribuinte no âmbito do princípio da cooperação para com a AT, criar condições e meios para que a verdade material se realize, sem a qual a AT não pode decidir de outro modo, nem pode o seu esforço instrutório e na procura da verdade material servir para se substituir ao sujeito passivo, fazendo o que lhe compete, no caso, organizar a contabilidade de acordo com as normas contabilísticas e fiscais.
Referências
Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, proferido no processo n.º 00339/06.1BEPNF, de 7 de dezembro de 2021
Código do IVA, artigos 28.º n.º 1 alínea d) e 44.º
Lei Geral Tributária, artigo 72.º
Código de Procedimento e de Processo Tributário, artigo 50.º
Regime Complementar do Procedimento da Inspeção Tributária e Aduaneira, artigos 55.º e 56.º