O Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN) decidiu que é válida e não inconstitucional a norma do Regulamento Disciplinar da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas (OROC) que estipula que o prazo de prescrição de dois anos do procedimento disciplinar se suspende por efeito da instauração de processo de inquérito ou disciplinar.
O caso
Um revisor oficial de contas foi alvo de dois processos disciplinares, entretanto apensados, por atos praticados relativamente à forma como, em 2015, tinha certificado as contas de duas sociedades. Provada a prática de diversas infrações disciplinares, foi o mesmo condenado, em dezembro de 2017, no pagamento de uma multa de 10.000 euros e no pagamento das despesas do processo. Em março de 2018, o revisor oficial de contas recorreu dessa decisão para tribunal, imputando-lhe diversos vícios, tendo a ação sido julgada procedente e considerado extinto, por prescrição, o procedimento disciplinar de que resultara a sua punição. Foi, então, a vez da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas (OROC) recorrer dessa decisão para o TCAN.
Apreciação do Tribunal Central Administrativo Norte
O TCAN concedeu provimento ao recurso, ordenando o regresso do processo à primeira instância para apreciação dos restantes vícios invocados pelo autor contra o acórdão do Conselho Disciplinar da OROC.
Decidiu o TCAN que é válida e não inconstitucional a norma do Regulamento Disciplinar da OROC que estipula que o prazo de prescrição de dois anos do procedimento disciplinar se suspende por efeito da instauração de processo de inquérito ou disciplinar.
A OROC é uma associação pública, que consubstancia uma modalidade de administração indireta do Estado, por via da devolução de poderes a uma organização própria de profissionais, aos quais confiou a regulamentação e disciplina do exercício de uma profissão de interesse público, como é a de revisor oficial de contas.
Assim, o Estatuto da OROC dispõe que constituem atribuições da mesma exercer a jurisdição disciplinar sobre todos os seus membros, o que implica nesse domínio, o direito de aprovar, através de um dos seus órgãos, a Assembleia Geral, o regulamento disciplinar, com base em proposta do Conselho Diretivo.
Estabelecendo o Estatuto da OROC , na redação em vigor à data dos factos, que o procedimento disciplinar se extingue, por prescrição, logo que sobre a prática de facto suscetível de constituir infração disciplinar tenham decorrido dois anos e que, se o facto constituir simultaneamente crime e infração disciplinar, esse prazo de prescrição será o de procedimento criminal, desde que superior, sem que o procedimento criminal determine a suspensão do procedimento disciplinar, daí não resulta que o legislador tenha optado por afastar quaisquer causas suspensivas ou interruptivas desse prazo prescricional previsto para o exercício do poder disciplinar por parte da OROC, nada impedindo que, no regulamento disciplinar adotado pelos órgãos com competência regulamentar designada pelo legislador, se tenha feito constar que esse prazo de prescrição do procedimento disciplinar se suspendia por efeito da instauração de processo de inquérito ou disciplinar.
Decorre, assim, do Regulamento Disciplinar da OROC, que o procedimento disciplinar prescreve decorridos dois anos contados desde o momento da prática do facto suscetível de integrar infração disciplinar, a não ser que seja instaurado processo disciplinar no decurso de tal prazo, caso em que esse prazo de dois anos se suspende, retomando o seu curso com a prática do último ato instrutório com efetiva incidência na marcha do processo.
Pelo que, no caso, tendo a OROC instaurado dois processos disciplinares ao revisor oficial de contas, por factos praticados em 06/07/2015 e em 12/10/2015, que foram depois apensados em setembro de 2016, e tendo o instrutor levado a cabo várias diligências instrutórias, que passaram pela audição do arguido e dos participantes e pela realização de duas inspeções aos dossiês das sociedades em causa, por forma a aferir se o seu trabalho tinha sido efetuado de acordo com as Normas Técnicas e Diretrizes de Revisão/Auditoria, com a realização dos respetivos relatórios, a última das quais concluída em 24/02/2017, o prazo de prescrição de dois anos suspendeu-se com a instauração dos respetivos processos disciplinares e só foi retomado após a prática desse último ato, razão pela qual, quando o revisor oficial de contas foi notificado da discissão disciplinar ainda não tinham decorrido esses dois anos e não se tinha verificado a prescrição do procedimento disciplinar.
Referências
Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, proferido no processo n.º 00137/18.0BEVIS, de 17 de dezembro de 2021
Estatuto da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 487/99, de 16/11, artigo 5.º alínea d), 88.º n.º 1 e 91.º
Regulamento Disciplinar n.º 88/2010, da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas, artigo 5.º