O Tribunal da Relação do Porto (TRP) decidiu que é lícita e não está sujeita a autorização judicial prévia, nem constitui prova proibida, a ação de fiscalização preventiva de rotina realizada pela Autoridade Tributária e Aduaneira (ATA), prévia a qualquer inquérito criminal e não determinada pela suspeita da prática de crime, em que se abra uma encomenda postal e se detete a importação de uma arma ilegal.
O caso
Em abril de 2021, funcionários da Autoridade Tributária e Aduaneira (ATA) procederam ao controlo de uma encomenda postal proveniente da China na qual encontraram um aparelho emissor de descargas elétricas, vulgo taser, dissimulado sob a forma de uma lanterna sem marca e sem modelo. Tratando-se de uma arma proibida foi aberto inquérito que terminou com a acusação do destinatário da encomenda, um militar da GNR, pela prática de um crime de detenção de arma proibida. Mas, requerida a abertura de instrução, o tribunal decidiu não levar o arguido a julgamento, considerando nula e prova proibida a apreensão que dera origem ao processo, por não ter sido autorizada ou ordenada por despacho de juiz, e por falta de indícios suficientes da prática do crime. Discordando desta decisão, o Ministério Público (MP) recorreu para o TRP.
Apreciação do Tribunal da Relação do Porto
O TRP julgou o recurso improcedente, confirmando o despacho de não pronúncia, por fata de indícios suficientes, embora tenha decido ser lícita e não estar sujeita a autorização judicial prévia, nem constituir prova proibida, a ação de fiscalização preventiva de rotina realizada pela ATA, prévia a qualquer inquérito criminal e não determinada pela suspeita da prática de crime, em que se abra uma encomenda postal e se detete a importação de uma arma ilegal.
A ATA pode realizar ações de fiscalização aduaneira e examinar mercadorias importadas para a União Europeia, o que inclui o poder de abrir as respetivas encomendas para verificar o seu conteúdo, independentemente de qualquer suspeita concreta.
Estes poderes não ofendem as regras constitucionais que protegem a reserva da vida privada e a inviolabilidade do domicílio, uma vez que está garantida a prevalência do direito comunitário sobre o direito nacional.
A ação de fiscalização preventiva de rotina realizada pela ATA, prévia a qualquer inquérito criminal e não determinada pela suspeita da prática de crime, em que se abre uma encomenda postal e se deteta a importação de uma arma ilegal, não está sujeita à autorização judicial prévia uma vez que não constituiu uma diligência inserida num inquérito criminal regulada pelo processo penal, mas sim uma diligência de inspeção preventiva regulada pelas normas especiais da legislação aduaneira.
Seria uma impossibilidade jurídica exigir que essas ações preventivas de rotina, que por definição se realizam sem que na sua base se encontre qualquer suspeita sobre o destinatário ou o conteúdo da encomenda, tivessem de obter prévia autorização judicial, a qual, obviamente, só é concedida em inquéritos em curso para investigação de suspeitas de crime já determinadas.
A ATA só teria de obter a prévia autorização do juiz para proceder à apreensão da encomenda se estivesse a atuar, não no âmbito da sua competência para realizar ações de fiscalização preventiva de rotina, mas na sequência de uma qualquer suspeita que devesse considerar-se notícia de crime e tivesse dado previamente origem à abertura de inquérito.
Assim sendo, a apreensão de uma arma pela ATA nessas circunstâncias não constitui prova proibida em processo penal.
Porém, não tendo sido recolhidos indícios suficientes da prática do crime pelo arguido, mesmo sendo consideradas válidas as provas recolhidas, deve ser confirmado o despacho de não pronúncia. Tendo o arguido negado ter encomendado o objeto em questão, que não fora aquele que teria visualizado no site de grande notoriedade onde encomendara uma lanterna tática, passível de ser utilizada em complemento da arma de fogo fornecida pela GNR, sem qualquer referência a uma arma de disparos elétricos, e desconhecendo-se o que ele verdadeiramente encomendara e como era publicitado o objeto no site em questão, torna-se improvável uma condenação em julgamento.
Referências
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 8 de maio de 2024
Código de Processo Penal, artigos 126.º n.º 3, 179.º e 308.º
Constituição da República Portuguesa, artigo 38.º n.º 8
Decreto-Lei 376-A/89, de 25/10, artigo 49.º n.º 1
Decreto-Lei 118/2011, de 15/12, artigo 2.º n.º 1 alínea b)
Código Aduaneiro Comunitário, artigos 4.º n.º 3, 25.º n.º 1 e 27.º n.º 1