O Supremo Tribunal Administrativo (STA) decidiu que uma Comunicação da Comissão Europeia que determina a devolução de Auxílios de Estado concedidos a empresas da Zona Franca da Madeira não pode impor uma discriminação dos executados em função da situação que esteve na origem do crédito fiscal a recuperar. O STA deu razão à empresa recorrente já que a AT não pode, no plano ad hoc, adaptar o regime legal da execução fiscal.
O caso
Uma sociedade viu indeferido o seu pedido de dispensa de prestação de garantia, num processo de execução fiscal, em que lhe estava a ser exigida coercivamente uma dívida resultante da liquidação adicional de IRC referente ao exercício de 2014, no âmbito do processo de recuperação dos auxílios de Estado concedidos a empresas da Zona Franca da Madeira.
Tinha requerido a 20/11/2023 ao órgão de execução fiscal, o Serviço de Finanças do Funchal 1, a dispensa de prestação de garantia para suspensão do processo de execução fiscal, com o argumento de que não dispunha de meios financeiros ou bens penhoráveis que lhe permitissem promover o pagamento da dívida.
A Comissão Europeia considerou, através de uma Decisão, que a aplicação do regime de auxílios da Zona Franca da Madeira (Regime III) em Portugal não estava em conformidade com as decisões da Comissão em matéria de auxílios estatais de 2007 e 2013. Veja aqui mais detalhes.
Quer a Autoridade Tributária, que indeferiu a reclamação, quer o Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) do Funchal que julgou improcedente o recurso da empresa, consideraram ser inadmissível qualquer medida que visasse o retardamento da restituição do auxílio declarado ilegal, como seria o caso da pretendida dispensa de prestação de garantia para suspensão do processo de execução fiscal. Entenderam que isso faria com que a decisão de recuperação não fosse imediata e efetiva, como previa a Decisão da Comissão.
A empresa recorreu.
Decisão do Supremo Tribunal Administrativo
O STA concedeu provimento ao recurso e revogou a sentença do TAF.
Entendeu que não cabe à AT modelar o que é ou não possível no âmbito da execução tributária, truncando garantias e subtraindo expedientes, substituindo-se, assim, ao legislador na criação de um regime de execução específico para dívidas decorrentes da recuperação de benefícios fiscais.
A AT não pode, no plano ad hoc, adaptar o regime legal da execução fiscal, especialmente no que respeita às garantias dos contribuintes, de modo a assegurar o que depreende serem os imperativos do Direito da União Europeia - sobretudo se o fizer com base numa comunicação da Comissão que reveste a natureza de uma recomendação, sem carácter vinculativo - e que até reconhece no seu ponto 2.4.1.4, situações de impossibilidade absoluta de recuperação do crédito.
O STA esclarece que a recuperação nem sempre é imediata e efetiva, tendo apenas de ser empreendida com prontidão.
Moldar de forma livre o processo de execução implicaria uma discriminação intolerável dos sujeitos passivos que se vissem envolvidos numa execução por uma dívida fiscal que tivesse origem na recuperação de um auxílio de Estado; face a outros sujeitos passivos que devessem uma quantia exatamente igual ou superior, por razões até de maior censura, designadamente por sonegação de rendimentos, erros grosseiros ou deliberados em termos da contabilidade, só para dar alguns exemplos. Para o STA, há que não esquecer que a dívida fiscal só surgiu porque o Estado Português viu, no âmbito de uma decisão da Comissão, a vantagem fiscal que criou e que foi legitimamente aproveitada pelos sujeitos passivos, subitamente retirada.
Assim, o STA não admite a posição da AT enquanto órgão da execução fiscal, de que a inadmissibilidade da dispensa de garantia para a suspensão da execução fiscal instaurado para reaver os auxílios de Estado, decorreria da comunicação e do regulamento europeu. Mesmo no plano dos princípios gerais da União dificilmente se conceberia uma discriminação dos executados em função da situação que esteve na origem do crédito fiscal a recuperar.
A possibilidade de dispensa de garantia no quadro da suspensão da execução não poderia ter sido negada e subsequentemente confirmada pela sentença recorrida, nos termos em que foi.
A dispensa ou não de garantia pode ser feita com uma margem diminuta, permitindo-se a ponderação apenas de elementos previstos na Lei Geral Tributária, designadamente a suscetibilidade de surgir um prejuízo irreparável ou verificação manifesta da falta de meios económicos, revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda, no pressuposto de que não existam fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a atuação dolosa do interessado.
Referências
Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 11.07.2024
Decisão (UE) 2022/1414 da Comissão de 4 de dezembro de 2020
Regulamento (UE) 2015/1589 do Conselho, de 13 de julho de 2015
CPPT, artigo 169.º, n.º 11
LGT, artigo 53.º, n.º 4