I- O não conhecimento do pedido reconvencional que, por natureza, é incompatível com o pedido principal, não constitui fundamento de nulidade da sentença por omissão de pronúncia, sendo até imposto pelo art.º 608º/2 do CPC.
II- A Lei nº 54/2005, de 15.11, estabelece que, no caso de águas públicas não navegáveis e não flutuáveis localizadas em prédios particulares, o respetivo leito e margem são particulares, nos termos do artigo 1387.º do Código Civil, estando sujeitos a servidões administrativas (art.º 12º/2), não sendo permitida a execução de quaisquer obras permanentes ou temporárias sem autorização da entidade a quem couber a jurisdição sobre a utilização das águas públicas correspondentes (art.º 21º/2).
III- Os lotes prometidos vender estão sujeitos a essa servidão administrativa por, nas respetivas extremas, passar uma linha de água que está seca, pelo que a mesma resulta da natureza específica do terreno, sendo algo de inultrapassável.
IV- O regime relativo a estes cursos de água, mesmo quando estejam secos, visa acima de tudo acautelar a segurança de pessoas e bens, pois os sulcos agora secos e por onde antes passaram cursos de água, podem voltar à situação anterior, nomeadamente em casos de chuvas intensas e de enxurradas, sendo necessário acautelar uma margem de segurança entre o leito e a construção que se pretende efetuar.
V- Resultando a servidão da mera natureza do terreno, visando acautelar o interesse público, e decorrendo ela de forma automática da aplicação da lei, não está incluída na cláusula do contrato-promessa pela qual os réus prometeram vender os lotes de terreno livres de ónus e encargos, tratando-se de uma situação de força maior, que se impõe às partes, sem possibilidade de ser afastada.
VI- Ainda que fosse de equacionar a existência de facto ilícito por parte dos réus promitentes vendedores por via da existência da referida servidão - que não se provou que conhecessem à data da celebração do contrato-promessa - a presunção de culpa estaria afastada por se tratar de uma situação de força maior.
VII- Tendo os autores, promitentes-compradores, recusado a celebração do contrato prometido e não tendo logrado provar que caso tivessem conhecimento da referida linha de água não teriam celebrado o contrato-promessa, estamos perante uma violação ilícita, culposa e definitiva desse mesmo contrato, a qual concede aos réus o direito de fazerem sua a quantia entregue a título de sinal.
Processo n.º 8042/20.3T8LRS.L1-6