I- O princípio da investigação ou da verdade material sofre as limitações impostas não só pelo princípio da necessidade – só são admissíveis os meios de prova cujo conhecimento se afigure necessário para a descoberta da verdade – como da legalidade – só são admissíveis os meios de prova não proibidos por lei – e da adequação – não são admissíveis os meios de prova notoriamente irrelevantes, inadequados ou dilatórios.
II- Nada na lei impõe, aquando da comunicação da alteração de factos, nos termos do nº 1 do artigo 358º, a indicação dos meios de prova, o que bem se compreende por se tratar de factos indiciados e não factos provados, perante os quais a defesa, se assim o entender, ainda pode apresentar novos meios de prova.
III- O Tribunal, ao apreciar os factos que lhe são trazidos pela acusação e pela defesa, não está, nem pode estar, vinculado à qualificação jurídica feita na acusação, podendo – e devendo – proceder à respetiva alteração, quando conclua ser desacertada, mesmo que a alteração da qualificação jurídica venha a traduzir-se na imputação de um crime punido mais gravemente do que o que constava da acusação, ou mesmo que importe a imputação de mais crimes do que os inicialmente considerados – o ponto é, sempre, que tal corresponda a uma apreciação jurídica de factos completa e adequadamente descritos.
IV- No âmbito da apreciação da prova, interessa não tanto excluir qualquer possibilidade abstracta, matemática, de os factos terem decorrido de forma diversa da narrativa acusatória, mas antes ponderar as várias hipóteses factuais plausíveis, alternativas à hipótese probanda, à luz da experiência comum e do normal acontecer das coisas, de forma a ajuizar se alguma delas fica em aberto.
V- Não está aqui em causa a questão do estalão (standard) da prova em processo penal, o mesmo é dizer, o limiar mínimo de certeza quanto ao facto probando para que este deva ser dado como provado − e, assim, tomado por verdadeiro − pelo tribunal de julgamento. É pacífico que esse estalão corresponde a uma convicção para além de toda a dúvida razoável, sendo por isso incompatível com a afirmação de meros indícios ou com a subsistência de qualquer dúvida para a qual pudessem ser dadas razões válidas.
VI- O que se observa é uma atuação concertada dos dois arguidos (e do terceiro, não identificado), no quadro de um plano criminoso que exigiu planeamento prévio, do qual todos estavam cientes. É, assim, manifesto que os arguidos agiram em coautoria, praticando em conjunto os factos, cada um com a tarefa que lhe coube, devendo o resultado final de tal conjugação de esforços refletir-se nos dois de forma igual – que o mesmo é dizer, sendo imputável a totalidade da atuação criminosa a ambos e cada um dos arguidos, mesmo que o enriquecimento ilegítimo visado com a conduta apenas beneficiasse um terceiro, já que o tipo legal do crime de burla não exige que o agente tenha em vista o seu próprio enriquecimento, e, menos ainda, que tal enriquecimento efetivamente aconteça.
VII- A concretização do que é um «tipo de crime» para efeitos do concurso de crimes faz-se por referência ao critério da identidade do bem jurídico protegido pelo tipo, corrigido pelo critério da «conexão situacional» entre diversas realizações típicas homogéneas.
VIII- O artigo 490º do Código Civil traduz, no plano civilístico, um efeito essencial da comparticipação, que é a submissão dos comparticipantes ao princípio da imputação objetiva recíproca, por via do qual a participação de cada agente é imputada aos demais, respondendo todos e cada um pela totalidade do facto.
IX- Do disposto no artigo 497º, nº 1 do Código Civil decorre que, em face do lesado, todos os comparticipantes estão obrigados ao ressarcimento integral, podendo este exigir de qualquer um deles o cumprimento da integralidade da obrigação de indemnizar, estando este vinculado ao cumprimento. O adimplemento dessa obrigação por um dos comparticipantes determina a extinção dos deveres dos demais consortes.
Processo n.º 45/17.1JDLSB.L1-5