1. O tribunal não tem de se pronunciar expressamente sobre factos cujo único fito é a contraprova da factualidade constitutiva do direito invocado pelo Autor, neste caso, nas palavras das próprias Chamadas, “para contraprova da existência dos invocados prejuízos”, mesmo que tal factualidade se enquadre num determinado tema de prova. Assim, a sentença recorrida não é nula por omissão de pronúncia, nem a matéria de facto em causa deve ser acrescentada aos factos fixados naquela.
2. No caso conhecido como o “Cartel dos Camiões” (processo da Comissão Europeia AT.39824 - Trucks) e no âmbito de uma ação de private enforcement por conduta violadora do artigo 101.º TFUE, as inferências feitas, no que concerne à factualidade atinente à existência de dano e nexo causal, com base em considerandos constantes da Decisão da Comissão da UE, podem ser válidas, como é aqui o caso.
3. No Direito da Concorrência o conceito de “acordo” foca-se na existência de uma concordância de vontades entre pelo menos duas partes, sendo despicienda a forma como esta se manifesta desde que constitua a expressão fiel das intenções das partes. Exemplos de “agreements” ou “acordos” incluem, aliás, simples acordos de cavalheiros e meros “entendimentos”. Ora, a colusão ou conluio entre as visadas pela Decisão da Comissão não é posta em causa nestes autos, pelo que as sugestões de tradução adiantadas pelas Chamadas em substituição do termo agreements afiguram-se-nos irrelevantes pelas razões já adiantadas na sentença recorrida a que acrescem as razões aqui expostas.
4. Não obstante a letra do artigo 395.º do Código Civil não prever qualquer limitação ou exceção à admissibilidade de prova testemunhal (e, por analogia, declarações de parte), para a prova do simples cumprimento de contrato escrito (maxime, recibo de quitação), por razões de justiça e “sob pena de a rigidez de interpretação desta norma conduzir nalguns casos a graves iniquidades”, admite-se a possibilidade de se produzir prova por declarações de parte sobre o cumprimento, desde que exista um princípio de prova documental.
5. Se por um lado, e de acordo com jurisprudência do TJUE (Acórdão de 16-02-2022, Traficos Manuel Ferrer, C-312/21, EU:C:2022:494), o tribunal nacional não puder recorrer à estimativa judicial para colmatar as falhas da Autora em sede de quantificação do dano, por outro, de acordo com jurisprudência nacional (por exemplo, Acórdão STJ de 07-05-2020, processo n.º 233/12.7TBMIR.C1.S1), o tribunal deve condenar em quantia a liquidar em momento ulterior, exceto se tal quantificação se afigurar, em sede probatória, como improvável. Neste contexto, há que concluir como o tribunal a quo, no sentido de apenas ser possível nos autos condenar em quantia a liquidar em momento ulterior. Afigura-se-nos, pois, que se mostra afastada a solução propugnada pelas Recorrentes, ou seja, de julgar simplesmente improcedente a ação.
6. O que importa, para determinar a responsabilidade de uma “empresa” ao abrigo do disposto no artigo 101.º do TFUE, quando não age diretamente no mercado, mas através de empresas subsidiárias, é a verificação de “influência determinante” daquela sobre estas, de forma que as subsidiárias não gozem de autonomia na determinação das suas políticas comerciais. Assim sendo, baseando-se a responsabilidade civil por violação do Direito da Concorrência, desde logo, no que aqui importa, numa violação ao disposto no artigo 101.º do TFUE, o âmbito da responsabilidade subjetiva tem, como nos parece evidente, que conduzir-se pelos mesmos critérios. Nestes termos, há forçosamente que concluir que a MAN SE pode e deve ser responsabilizada civilmente pelas condutas das demais Chamadas, a MAN Truck & Bus SE e MAN Truck & Bus Deutschland GmbH, nos termos descritos na sentença recorrida.
7. Apenas se poderia proceder a uma estimativa judicial do valor da repercussão, ou relegar tal cálculo para a fase da liquidação, caso se tivesse efetivamente apurado a existência de tal facto, o que não se verificou nos autos.
8. Em casos de private enforcement por conduta violadora do artigo 101.º TFUE, os juros de mora contam-se a partir da ocorrência do dano.
9. Em relação a tais juros não é aplicável a prescrição prevista no artigo 310.º, alínea d) do Código Civil.
Processo n.º 67/19.8YQSTR.L1-PICRS