O Supremo Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que, quando o contrato de transporte é incumprido por ação do subcontratado, este pode ser chamado a indemnizar os danos causados, por via de uma responsabilidade quase contratual ou quase obrigacional.
O caso
Em 2016, um casal de nacionalidade francesa, ambos reformados, adquiriu um imóvel para passar a residir em Portugal.
Para transporte do mobiliário e dos bens pessoais que tinham em França, contrataram uma empresa de transporte, a qual subcontratou outra empresa para assegurar o serviço.
Porém, o veículo para onde foi carregada a mobília e restantes pertences incendiou-se, ficando os mesmos totalmente destruídos.
Em consequência, o casal recorreu a tribunal, o qual condenou a transportadora no pagamento de 133.461,60 euros ao casal, absolvendo a empresa que tinha sido subcontratada para efetuar o transporte, decisão da qual o casal recorreu para o Tribunal da Relação e, depois, para o STJ, pedindo a condenação solidária de ambas as transportadoras.
Apreciação do Supremo Tribunal de Justiça
O STJ concedeu provimento ao recurso, condenando a empresa subcontratada a pagar, em regime de solidariedade com transportadora contratada, a indemnização devida aos clientes.
Decidiu o STJ que, quando o contrato de transporte é incumprido por ação do subcontratado, este pode ser chamado a indemnizar os danos causados, por via de uma responsabilidade quase contratual ou quase obrigacional.
A celebração de um contrato implica a assunção, por parte do devedor, de um dever de prestação e de deveres de proteção para com a pessoa e os bens do credor, que se comunicam, em certa medida, a quem é subcontratado pelo devedor.
Configurando-se o subcontrato de transporte, à imagem de outros subcontratos, como um contrato que se relaciona com o contrato de transporte pela unidade de fim ou unidade económica, o subcontratado não aparece exatamente como um estranho perante o credor no contrato de transporte, mas como alguém que, sendo parte da relação negocial ampla, está também sujeito a deveres para com esse credor.
Apesar de se tratarem de dois contratos distintos, eles prosseguem uma finalidade comum, estando ligados por um vínculo funcional. Assim sendo, o credor pode exigir o cumprimento ou a responsabilidade derivada do incumprimento ao subcontratado em razão dessa íntima conexão existente entre esses dois negócios que visam a prossecução do mesmo fim.
Uma forma alternativa de enquadrar a situação que, na prática, conduziria ao mesmo resultado, seria a de conceber o subcontrato de transporte como uma espécie de contrato com eficácia de proteção para terceiro. Esta é uma figura situada na fronteira entre a responsabilidade contratual e a extracontratual e que consubstancia um reconhecido desvio ao princípio da relatividade dos contratos. Radica na ideia de que um contrato é suscetível de ter como beneficiários outros sujeitos que não só as partes. Aqui, no entanto, ao contrário do que sucede na construção anterior, a ilicitude residiria na violação de deveres de proteção e de cuidado, designadamente por força da regra de conduta segundo a boa-fé, e não na violação do dever de prestar.
A visão da responsabilidade civil que se propugna é uma consequência do reconhecimento de que o contrato é cada vez menos um mero acordo entre duas pessoas e está, já há tempo, em evolução para modelos mais complexos, de contratos integrados e que encontram a sua justificação na função económica unitária que desempenham.
Referências
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no processo n.º 1127/19.0T8LRA.C1.S1, de 15 de setembro de 2022
Código Civil, artigo 483.º