O Supremo Tribunal Administrativo (STA) decidiu que deve ser repartida em partes iguais, entre o Estado português e os lesados, a culpa pela morte de dois turistas, devido ao desmoronamento de terras de uma arriba, quando aqueles tenham agido de forma temerária, ao permanecerem na praia junto à arriba, e o Estado não tenha garantido a sinalização no local.
O caso
Num final de tarde de agosto de 2005, dos turistas espanhóis morreram vítimas de um desmoronamento de terras de uma arriba de uma praia em Peniche.
Responsabilizando o Estado português e a atual Agência Portuguesa do Ambiente, antigo Instituto da Água, pelo sucedido, os pais das vítimas exigiram uma indemnização de 650.000 euros.
A ação foi julgada parcialmente procedente, com a condenação dos réus, solidariamente, no pagamento 100.000 euros a cada uma das famílias, depois do tribunal ter considerado que se verificara culpa dos lesados na produção do dano, repartindo em 50% as culpas pelo acidente.
Mas, após recurso para o Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), este fixou essa repartição de culpas em 30% para os lesados e em 70% para as demandadas, atribuindo a cada uma das famílias uma indemnização no valor de 140.000 euros.
Desta decisão foram interpostos novos recursos, agora para o STA.
Apreciação do Supremo Tribunal Administrativo
O STA, com um voto de vencido, negou provimento ao recurso interposto pelos pais das vítimas e provimento ao recurso interposto pelo Estado, revogando o acórdão recorrido e recuperando a decisão proferida em primeira instância.
Decidiu o STA que deve ser repartida em partes iguais, entre o Estado português e os lesados, a culpa pela morte de dois turistas, devido ao desmoronamento de terras de uma arriba, quando aqueles tenham agido de forma temerária, ao permanecerem na praia junto à arriba, e o Estado não tenha garantido a sinalização no local.
Diz a lei que quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída.
No caso, o comportamento dos lesados foi imprudente, ao optarem por frequentar uma praia sem vigilância, logo um espaço que requer maior cuidado por parte dos utentes na avaliação das condições de segurança a todos os níveis, e ao deitarem-se sob a arriba, como meio de obterem sombra, com o que contribuíram, de forma decisiva, para a produção e extensão do dano sofrido, pois foi o facto de os lesados estarem precisamente sob a arriba que conduziu à sua morte por esmagamento dos ossos do crânio em consequência da derrocada.
Sendo do senso comum que as arribas e falésias constituem estruturas naturais perigosas, uma vez que as formações rochosas junto ao mar sofrem permanentemente de erosão e a inexistência de qualquer intervenção humana visível significa que a sua integridade não está ou pode não estar devidamente garantida.
Por outro lado, estando demonstrado que o Estado dispõe de serviços que promovem o estudo periódico das condições de segurança do litoral e realizam ações pontuais de mitigação do risco, mesmo nessas zonas de praia não vigiada, e que são adotadas medidas de alerta e sinalização para o perigo, ficando a violação do dever objetivo de cuidado dada como provada no caso concreto circunscrita à inexistência de um serviço de vigilância e inspeção da manutenção dessa sinalização, frequentemente removida do local depois de colocada, deve a culpa pelo acidente ser repartida em partes iguais.
Assim, atendendo a que o acidente ocorreu numa zona de praia não vigiada, cujo acesso era feito a partir do cimo da arriba, o que permitia aos utentes, segundo as regras de razoabilidade normal, ter a perceção do perigo que este tipo de locais representa e da pressão que o seu uso promove, contribuindo para o aumento do risco, e que os avisos dissuasores contribuem de forma quase insignificante para a modelação do comportamento dos utentes, os quais não podem ignorar o dever de cuidado que sobre eles impende no uso responsável destes espaços, entendeu o STJ como adequada a repartição da culpa em partes iguais.
Referências
Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no processo n.º 01435/12.1BELRA, de 7 de setembro de 2023