A Ordem dos Advogados (OA) apresentou ao Parlamento propostas para a alteração de vários diplomas e códigos em aspetos relativos ao patrocínio por advogado, nomeadamente no âmbito laboral, penal e administrativo, bem como alterações em matéria de comunicações.
A Ordem pretende ainda criar uma nova lista de escalas no âmbito do regime de acesso ao direito e aos tribunais, para nomeação de advogado especificamente nos casos de vítimas de violência doméstica, vítimas de crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual e de quem tenha estatuto de vítima.
Código de Processo nos Tribunais Administrativos
No patrocínio judiciário e representação em juízo nos Tribunais Administrativos a OA propõe a revogação de quase tudo o que se prevê.
Passaria a prever-se apenas a constituição obrigatória de mandatário, nos termos previstos no Código do Processo Civil, sem prejuízo da possibilidade de representação do Estado pelo MP.
Continuaria a prever-se o desempenho das funções dos agentes de execução nas execuções que sejam da competência dos tribunais administrativos.
Código de Processo do Trabalho
Neste âmbito, a OA propõe a alteração da representação e patrocínio pelo MP, que deixaria de representar os trabalhadores e seus familiares.
O Estatuto do MP seria também alterado em conformidade, revogando-se essa competência.
Assim, e sem prejuízo do regime do apoio judiciário, quando a lei o determine ou as partes o solicitem, no processo laboral, o MP deve exercer o patrocínio apenas:
- dos hospitais e das instituições de assistência, nas ações relativas a questões de enfermagem ou hospitalares, de fornecimento de medicamentos emergentes da prestação de serviços clínicos, de aparelhos de prótese e ortopedia ou de quaisquer outros serviços ou prestações efetuados ou pagos em benefício de vítimas de acidentes de trabalho ou doenças profissionais, e nas correspondentes execuções, desde que estes não possuam serviços de contencioso; e
- das pessoas que, por determinação do tribunal, houverem prestado os serviços ou efetuado os fornecimentos acima referidos.
Código de Processo Civil
No patrocínio judiciário, a proposta prevê que seja obrigatória a constituição de advogado.
Os advogados estagiários, os solicitadores e as próprias partes podem fazer requerimentos em que se não levantem questões de direito.
As restantes regras seriam revogadas.
Nos processos de jurisdição voluntária, em matéria de regras do processo, seria revogada a regras que prevê atualmente que a constituição de advogado não é obrigatória, salvo na fase de recurso.
Comunicações
As citações, notificações ou quaisquer comunicações que levem ao conhecimento do destinatário a existência de determinado processo, efetuadas pelas secretarias dos Tribunais, dos Julgados de Paz, pelas autoridades policiais ou por quaisquer outras entidades, devem conter uma referência expressa e clara à obrigatoriedade de constituição de advogado ou, quando não seja obrigatória, ao direito a constituir advogado, sob pena de nulidade da citação, notificação ou comunicação.
Regime de acesso ao direito e aos tribunais
Deve ser assegurada de imediato a nomeação de patrono à vítima e garantida a célere e subsequente concessão de apoio judiciário, com natureza urgente, nos casos de:
- atribuição do estatuto de vítima do crime de violência doméstica,
- vítimas de crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual.
Atualmente, apenas se prevê o imediato acesso a aconselhamento jurídico.
A OA propõe ainda a inclusão de dois novos artigos:
Um novo artigo relativo à nomeação de advogado, quando o mesmo facto der causa a diversos processos. Deve ser assegurada a nomeação do mesmo patrono à vítima para todos esses processos nos casos de:
- vítimas de outros crimes com estatuto de vítima e
- vítimas de violência doméstica e vítimas de crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual.
Para garantir a nomeação imediata de patrono à vítima, deve ser criada uma escala específica para este efeito, nos termos das regras das Escalas de Prevenção, com as necessárias adaptações.
Os advogados inscritos nessa nova escala devem - preferencialmente - ter formação como técnicos de apoio à vítima.
Outro artigo relativo a vítimas de outros crimes, no qual se prevê que, no caso de atribuição do estatuto de vítima deve presumir-se, até prova em contrário, que a vítima se encontra em situação de insuficiência económica, e deve ser garantida à vítima a célere e subsequente concessão de apoio judiciário, com natureza urgente, assegurando-se de imediato a nomeação de patrono.
Estatuto da Vítima
Aqui a OA propõe alterações em dois níveis:
- assistência específica à vítima: que deve passar a prever a garantia pelo Estado da nomeação imediata de patrono, gratuitamente, e subsequente apoio judiciário, se necessário;
- direitos das crianças vítimas: deve passar a ser obrigatória a nomeação de patrono à criança, e não apenas quando os seus interesses e os dos seus pais, representante legal ou de quem tenha a guarda de facto sejam conflituantes e ainda quando a criança com a maturidade adequada o solicitar ao tribunal.
Violência doméstica, proteção e assistência das suas vítimas
Neste regime, em matéria de acesso ao Direito, deve ser garantida à vítima, com prontidão, a nomeação de advogado, bem como a célere e subsequente concessão de apoio judiciário, com natureza urgente, nos termos legais.
Atualmente prevê-se apenas a consulta jurídica e não a nomeação de advogado.
Quando o mesmo facto der causa a diversos processos, deve ser assegurada a nomeação do mesmo patrono à vítima para todos os processos.
Atualmente prevê-se que seja nomeado o mesmo mandatário ou defensor oficioso à vítima, se possível.
Código de Processo Penal
Quanto à suspensão provisória do processo no inquérito, a OA propõe a necessária concordância da vítima, além do arguido e do assistente (que já se prevê) se o crime for punível com mais de 5 anos de prisão (ou sanção diferente da prisão) em que o MP, oficiosamente ou a requerimento do arguido, do assistente ou da vítima, determina a suspensão do processo, com a concordância do juiz de instrução, mediante a imposição ao arguido de injunções e regras de conduta.
A OA propõe também que o arguido possa constituir advogado em qualquer momento do processo, sem prejuízo das regras da obrigatoriedade de assistência.
Propõe-se que seja revogada a assistência do defensor nos interrogatórios feitos por autoridade judiciária.
São propostas alterações às regras de obrigatoriedade de assistência. Deve ser obrigatória a assistência do defensor:
- em qualquer interrogatório feito por qualquer entidade, esteja ou não detido ou preso;
- nas diligências instrutórias e na audiência de julgamento;
- em qualquer ato processual sempre que o arguido for cego, surdo, mudo, analfabeto, desconhecedor da língua portuguesa, menos de 21 anos, seja portador de deficiência mental, intelectual e ou psicosocial, ou se houver indícios ou se suscitar a questão da sua inimputabilidade ou da sua imputabilidade diminuída;
- nos recursos;
- nos casos de declarações para memória futura;
- no debate instrutório ou na audiência de julgamento realizados na ausência do arguido;
- nos demais casos que a lei determinar.
Lei de proteção de crianças e jovens em perigo
Nas intervenção do MP este passaria a ser compete para representar as crianças e jovens em perigo, propondo ações, requerendo providências tutelares cíveis e usando de quaisquer meios judiciais necessários à promoção e defesa dos seus direitos e à sua proteção, incluindo promover os procedimentos de naturalização.
No processo judicial de promoção e proteção, passaria a ser obrigatória a nomeação de patrono à criança ou jovem.
Os pais, o representante legal ou quem tiver a guarda de facto devem poder, em qualquer fase do processo, constituir advogado ou requerer a nomeação de patrono.
Deve ainda ser obrigatória a constituição de advogado ou a nomeação de patrono aos pais, ao representante legal ou a quem tiver a guarda de facto:
- quando esteja em causa a aplicação das medidas
- apoio junto de outro familiar;
- confiança a pessoa idónea;
- acolhimento familiar;
- acolhimento residencial;
- confiança a pessoa selecionada para a adoção, a família de acolhimento ou a instituição com vista à adoção.
Processo Tutelar Cível
Nos termos da proposta, deve ser obrigatória a constituição de advogado e a nomeação de patrono à criança.
Atualmente, a constituição de advogado é obrigatória na fase de recurso, e a nomeação de advogado à criança é obrigatória quando os seus interesses e os dos seus pais, representante legal ou de quem tenha a guarda de facto, sejam conflituantes, e ainda quando a criança com maturidade adequada o solicitar ao tribunal.
Lei dos Julgados de Paz
A representação das partes deve ser alterada a fim de prever a constituição obrigatória de advogado nas causas em que seja admissível recurso, e não apenas nos casos em que a parte seja analfabeta, desconhecedora da língua portuguesa ou, por qualquer outro motivo, se encontrar numa posição de manifesta inferioridade.
Referências
Proposta da Ordem dos Advogados - Alteração Legislativa, de 02.08.2024
Código de Processo Civil, artigos 40.º e 986.º
Lei de proteção de crianças e jovens em perigo, artigos 72.º e 103.º
Regime Geral do Processo Tutelar Cível, artigo 18.º
Código de Processo do Trabalho, artigo 7.º
Estatuto do Ministério Público, artigo 4.º
Lei da organização, competência e funcionamento dos Julgados de Paz, artigo 38.º
Regime de acesso ao direito e aos tribunais, artigo 8.º-C; novos artigos 8.º-D e 8.º-E
Estatuto da Vítima, artigos 13.º e 22.º
Regime de prevenção da violência doméstica, à proteção e à assistência das suas vítimas, artigo 25.º
Código de Processo Penal, artigos 62.º, 64.º e 281.º
Código de Processo nos Tribunais Administrativos, artigo 11.º