O Tribunal da Relação de Évora (TRE) decidiu que, num contrato de crédito ao consumo, na modalidade de utilização de cartão de crédito, se o pagamento do capital e juros remuneratórios se fazia em prestações, antecipadamente acordadas, o prazo de prescrição aplicável, mesmo depois de declarado o vencimento de todas elas, é o prazo originário de prescrição de cinco anos.
O caso
A Unicre, instituição financeira de crédito, intentou uma ação contra os herdeiros e representantes de uma herança pedindo que fossem condenados a reconhecer a existência de um crédito de € 5.954,79, mais juros moratórios, que se vencerem desde 28.09.2023, a ser satisfeito pela herança.
A dívida surgira da utilização de um cartão de crédito unibanco visa classic, e concessão de um CashAdvance em Conta. Após o cancelamento do cartão por devido incumprimento da falecida titular, foi ainda debitado na respetiva conta-cartão o remanescente do capital do CashAdvance ainda não reembolsado pela titular, que acresceu ao valor em dívida na conta-cartão. A Unicre defendeu que ambos os contratos estariam intrinsecamente interligados, havendo uma óbvia dependência das Condições Particulares de Utilização do CashAdvance face às Condições Gerais do Cartão unibanco visa classic.
Ao valor em dívida na referida conta-cartão, resultante da utilização do cartão de crédito, quer das prestações do CashAdvance, seria aplicável o prazo de prescrição de 20 anos.
Os réus alegaram a exceção perentória da prescrição e o tribunal deu-lhes razão.
A autora recorreu.
Decisão da Relação de Évora
O TRE julgou improcedente o recurso e confirmou a decisão recorrida.
Nos termos do Código Civil, entendeu o TRE que no caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos em relação ao vencimento de cada prestação.
Estando provado que, do contrato de crédito ao consumo, na modalidade de utilização de cartão de crédito, resultava que o pagamento do capital e juros remuneratórios seria feito em prestações, antecipadamente acordadas, importa reconhecer que o prazo de prescrição aplicável, mesmo depois de declarado o vencimento de todas elas, é o prazo originário de prescrição de cinco anos.
Nos termos do Código Civil, a prescrição começa a contar quando o direito puder ser exercido.
Estando a dívida vencida em 2009 (29/04/2009) e tendo a presente ação sido intentada em 2023 (28/09/2023), o TRE entendeu que a dívida estva prescrita, pelo decurso do prazo prescricional de cinco anos.
O TRE seguiu o Acórdão Uniformizador do Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do qual:
- no caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos em relação ao vencimento de cada prestação (Código Civil , 310.º/e);
- ocorrendo o seu vencimento antecipado, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo "a quo" na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas (designadamente Código Civil, artigo 781.).
O TRE refere ainda doutrina no mesmo sentido. A amortização fracionada do capital em dívida, quando realizada conjuntamente com o pagamento dos juros vencidos, originando uma prestação unitária e global, envolve a aplicabilidade a toda essa prestação do prazo quinquenal de prescrição, situação que foi equiparada à das típicas prestações periodicamente renováveis.
O legislador entendeu que, neste caso, o regime prescricional do débito parcelado ou fracionado de amortização do capital deveria ser absorvido pelo que inquestionavelmente vigora em sede da típica prestação periodicamente renovável de juros, devendo valer para todas as prestações sucessivas e globais, convencionadas pelas partes, quer para amortização do capital, quer para pagamento dos juros sucessivamente vencidos, o prazo curto de prescrição.
O TRE considera que, na doutrina maioritária, não suscita particular controvérsia a aplicabilidade do prazo curto de prescrição de cinco anos às obrigações, de natureza híbrida, que visam simultaneamente operar a amortização e a remuneração do capital mutuado.
A "ratio" das prescrições de curto prazo, se radica na proteção do devedor, protegido contra a acumulação da sua dívida, também visa estimular a cobrança pontual dos montantes fracionados pelo credor, evitando o diferimento do exercício do direito de crédito
Referências
Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 11.07.2024
Código Civil, artigos 781.º, 310.º, alínea e)
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 30.06.2022