O Supremo Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que, para efeitos de indemnização por perda de chance, a probabilidade consistente e séria de vencer um concurso público, no qual um solicitador falhou em entregar todos os documentos obrigatórios, tem de ser aferida em concreto, perante os termos e condições do concurso e valia da proposta em falta em confronto com as demais.
O caso
Uma empresa de produção de conteúdos multimédia intentou uma ação contra um solicitador responsabilizando-o pela perda de um concurso público e pedindo a sua condenação no pagamento de uma indemnização por danos patrimoniais.
Fê-lo alegando que recorrera aos serviços desse solicitador para que procedesse à entrega e submissão de uma proposta sua a esse concurso público e que ele, por lapso, anexara à proposta documentos relacionados com um processo de injunção no qual estava a trabalhar nesse momento, tendo-a submetido desacompanha de alguns documentos obrigatórios.
O tribunal condenou o solicitador no pagamento de uma indemnização no valor de 25.000 euros, decisão da qual ele recorreu para o Tribunal da Relação de Guimarães, o qual a revogou.
Inconformada, a empresa recorreu para o STJ.
Apreciação do Supremo Tribunal de Justiça
O STJ julgou improcedente o recurso, ao decidir que, para efeitos de indemnização por perda de chance, a probabilidade consistente e séria de vencer um concurso público, no qual um solicitador falhou em entregar todos os documentos obrigatórios, tem de ser aferida em concreto, perante os termos e condições do concurso e valia da proposta em falta em confronto com as demais.
O ordenamento jurídico-civil nacional tutela o dano conhecido pela perda de chance, que ocorre quando uma situação omissiva faz perder a alguém a sorte ou a chance de alcançar uma vantagem ou de evitar um prejuízo, como aconteceu, no caso concreto, com a omissão do réu, que privou a autora da chance de eventualmente obter um resultado favorável num concurso público.
Nesses casos, o dano não está no resultado desfavorável, mas na própria perda da possibilidade de obter um resultado, decorrente do evento lesivo e, por conseguinte, o que está sob indemnização é um dano intermédio em relação ao dano final, um dano autónomo e emergente dessa perda de oportunidade de sucesso e não o dano final derivado do resultado desfavorável.
Para o efeito, a verificação dos pressupostos gerais da responsabilidade civil, incluindo a existência do dano e de um nexo causal entre o facto lesivo e o dano, impõem que a chance, para poder ser indemnizável, seja consistente e séria e que a sua concretização se apresente com um grau de probabilidade suficiente e não com caráter meramente hipotético, cabendo ao lesado o ónus da prova dessa consistência e seriedade.
No caso, o solicitador atuou com negligência, ao não verificar e confirmar os documentos que estava a submeter. Ao fazê-lo, violou, culposamente, o contrato de prestação de serviços que celebrara com a autora, não satisfazendo cabalmente a prestação a que estava vinculado. E ao deixar de submeter ao concurso documentos obrigatórios, impossibilitou que a candidatura da autora fosse aceite, por não cumprir as formalidades legalmente exigidas, comprometendo a oportunidade de sucesso no concurso público.
Porém, não tendo a autora logrado provar a probabilidade consistente e séria de sucesso do resultado que pretendia alcançar, que seria vencer o concurso público a que a se candidatara, nomeadamente que reunia todos os requisitos substanciais para ganhar o concurso caso a sua candidatura não tivesse sido liminarmente rejeitada por razões de ordem formal, não pode o solicitador ser condenando a indemnizá-la pelo dano decorrente dessa alegada perda de chance.
Não basta, para o efeito, a convicção da autora de que a sua proposta seria a vencedora do concurso por ter apresentado a proposta de valor mais baixo, tendo ainda a mesma de alegar e provar que, comparando a sua proposta com o regulamento do concurso, tinha sérias probabilidades de o ganhar, o que no caso não fez.
Referências
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 10 de dezembro de 2024