O Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) decidiu que a publicação de um livro e de um DVD pelo inspetor, entretanto aposentado, que conduzira inicialmente a investigação ao desaparecimento de uma menor, para expor a sua visão sobre a investigação e para defesa da sua honra e bom nome, constituem um exercício legítimo do seu direito de opinião.
O caso
Após o desaparecimento da sua filha num aldeamento turístico do Algarve, os pais, ambos de nacionalidade britânica, foram constituídos arguidos, como suspeitos de terem simulado o rapto da filha, tendo mais tarde o processo sido arquivado por falta de provas.
Multiplicando-se em entrevistas sobre o processo a órgãos de comunicação social, nacionais e estrangeiros, o casal viu mais tarde o inspetor da Polícia Judiciária (PJ) que conduziria inicialmente a investigação, e que entretanto fora afastado e se aposentara, publicar um livro e um DVD no qual defendia, com base nos elementos constantes do inquérito e para alegada defesa da sua honra e reputação, a tese de que a criança morrera no apartamento, vítima de um acidente, e que os pais tinham simulado o seu rapto e ocultado o cadáver com receio de serem responsabilizados pela morte da filha.
O casal reagiu exigindo o pagamento de uma indemnização e que fosse proibida a venda, edição ou divulgação do livro e do DVD.
O tribunal decidiu condenar o antigo inspetor a pagar a cada um dos pais a quantia de 250.000 euros e proibiu-o, a ele e às editoras, de procederem à venda, execução de novas edições e à cedência de direitos de autor relativos ao livro e ao DVD. Inconformados com essa decisão, os réus recorreram para o TRL.
Apreciação do Tribunal da Relação de Lisboa
O TRL concedeu provimento ao recurso, absolvendo o antigo inspetor da PJ e as editoras, ao decidir que a publicação do livro e do consequente DVD, para expor a sua visão sobre a investigação e para defesa da sua honra e bom nome, constituíam um exercício legítimo do seu direito de opinião.
Entendeu o TRL que, tendo os próprios pais se multiplicado em entrevistas e intervenções nos órgãos de comunicação social, nacionais e internacionais, expondo os factos constantes do inquérito e posteriormente tornados públicos pela Procuradoria-Geral da República, se devia concluir que, com essa atuação, tinham, voluntariamente, limitado os seus direitos à reserva e à intimidade da vida privada.
Pelo que, ao assim procederem, tinham aberto caminho a que qualquer pessoa pudesse opinar sobre o caso, contradizendo a sua tese, sem com isso deixar de exercer um legítimo, e constitucionalmente consagrado, direito de opinião e liberdade de expressão do pensamento.
Por outro lado, entendeu o TRL não se vislumbrar que o direito do casal a beneficiar, na sequência da sua constituição como arguidos, das garantias do processo penal, incluindo o direito a uma investigação justa e o direito à liberdade e segurança, pudesse ser ofendido pelo conteúdo de um livro que, no essencial, descrevia e interpretava factos constantes de inquérito cujo conteúdo fora já publicitado.
Nada obstando a que, embora não tenham sido julgados suficientes para levarem a uma acusação criminal, tais factos sejam objeto de apreciação diversa, nomeadamente numa obra de cariz literário.
Afirmou, ainda, o TRL que não subsistem os deveres de sigilo e reserva, e consequente limitação ao exercício do direito à opinião, a que está sujeito um inspetor da PJ, depois deste se ter aposentado e relativamente a factos já tornados públicos pela autoridade judiciária e amplamente debatidos na comunicação social, nacional e estrangeira.
Referências
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no processo n.º 1454/09.5TVLSB.L1-8, de 14 de abril de 2016
Constituição da República Portuguesa, artigos 18.º, 26.º n.º 1, 37.º n.º 1 e 38.º
Código Civil, artigos 70.º, 80.º e 355.º