O Tribunal da Relação de Évora (TRE) decidiu que o desconto no vencimento do devedor de alimentos a filho menor tem apenas como limite impenhorável o montante equivalente à totalidade da pensão social do regime não contributivo, o qual é considerado o mínimo exigível para se respeitar o princípio da dignidade humana.
O caso
Uma mãe deduziu incidente de incumprimento contra o pai da sua filha, reclamando o pagamento das prestações de alimentos e da comparticipação das despesas escolares e de saúde em falta. O pai confessou o incumprimento no pagamento da pensão de alimentos, alegando dificuldades económicas, tendo, quanto às restantes despesas, afirmado que não lhe tinham sido enviados os correspondentes recibos.
O tribunal julgou verificado o incumprimento, condenando o pai a pagar os valores em dívida. Como este continuou sem nada pagar, a sua entidade patronal foi notificada para descontar do seu vencimento mensal, cujo valor líquido era de 417,01 euros, o valor da pensão de alimentos, que era de 75 euros, por conta dos alimentos que se fossem vencendo, bem como o desconto adicional de 75 euros em cada subsídio de Natal e de férias, até perfazer o montante em atraso. Inconformado, o pai recorreu para o TRE, defendendo que esse desconto no seu vencimento punha em causa a sua própria subsistência, com um mínimo de dignidade.
Apreciação do Tribunal da Relação de Évora
O TRE julgou improcedente o recurso, ao decidir que o desconto no vencimento do devedor de alimentos a filho menor tem apenas como limite impenhorável o montante equivalente à totalidade da pensão social do regime não contributivo, o qual é considerado o mínimo exigível para se respeitar o princípio da dignidade humana.
Em caso de incumprimento da obrigação de prestar alimentos, a lei admite que o seu pagamento seja feito através do desconto no vencimento e noutros rendimentos do devedor, sem, no entanto, colocar qualquer limite no montante a descontar e sem dizer qual o montante que é necessário atribuir a alguém de modo a que não seja violado o princípio da dignidade humana, constitucionalmente consagrado.
Não obstante, a lei processual coloca limites à penhora, seja de vencimentos, seja de qualquer quantia que o executado receba, estabelecendo que são impenhoráveis dois terços da parte líquida dos vencimentos que assegurem a subsistência do executado e, quando este não tenha outro rendimento, o montante equivalente a um salário mínimo nacional. Contudo este limite mínimo de impenhorabilidade cede quando esteja em causa crédito de alimentos, caso em que é impenhorável a quantia equivalente à totalidade da pensão social do regime não contributivo, que no ano de 2019 era de 210,32 euros e atualmente é de 211,79 euros.
Com este preceito procurou o legislador estabelecer um equilíbrio na colisão dos direitos fundamentais em confronto: de um lado o direito da criança aos alimentos e, do outro, o direito do obrigado a ver garantido o mínimo indispensável ao seu sustento, tendo como referência o princípio da dignidade da pessoa humana.
Deste modo, estando em causa o desconto no vencimento do devedor da prestação de alimentos a filho com menos de 18 anos de idade, é impenhorável a quantia equivalente à totalidade da pensão social do regime não contributivo, a qual, em face dos direitos em colisão, se tem como o mínimo exigível para se respeitar o princípio da dignidade humana.
Assim, auferindo o progenitor, devedor dos alimentos, um vencimento líquido de 417,01 euros, o desconto mensal de 75 euros, para pagamento da prestação de alimentos, bem como o desconto de 75 euros nos subsídios de férias e de Natal, até perfazer o montante em dívida, não interfere com a salvaguarda desse montante mínimo garantido para o seu sustento.
Embora, atendendo às despesas fixas apresentadas pelo progenitor, o pagamento da prestação de alimentos constitua um encargo difícil de suportar, no rol dessas despesas não pode ser tido em conta o pagamento do crédito automóvel, o qual, salvo condições excecionais em que o veiculo seja bem imprescindível para o trabalho, não é despesa que caiba no manto protetor do princípio da dignidade da pessoa humana.
Referências
Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, proferido no processo n.º 538/17.0T8STR-D.E1, de 4 de junho de 2020
Regime Geral do Processo Tutelar Cível, Lei n.º 141/2015, de 08/09, artigo 48.º
Código de Processo Civil, artigo 738.º
Portaria n.º 25/2019, de 17/01
Portaria n.º 28/2020, de 31/01