O Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) decidiu que as decisões proferidas pelo notário, após o saneamento do processo de inventário e de determinação dos bens a partilhar e da forma da partilha, não são recorríveis autonomamente, mas apenas conjuntamente com o recurso que for interposto da sentença homologatória da partilha, competindo ao Tribunal da Relação conhecer desse recurso conjunto.
O caso
Num processo de inventário para partilha dos bens das heranças de um casal, foi realizada a conferência de interessados durante a qual ficou acordada a partilha, sem qualquer houve oposição, reclamação ou impugnação quanto ao inventário, relação de bens ou respetivos valores. Mas, posteriormente, uma das interessadas reagiu contra a ata da conferência de interessados alegando que fora por erro que aceitara o valor atribuído ao imóvel a partilhar, pois desconhecia o valor dos imóveis na zona e o valor indicado estava claramente desajustado ao mercado. Mas o notário ordenou o prosseguimento do processo, decisão da qual a interessada interpôs recurso para o TRL, o qual ficou a aguardar o que viesse a ser interposto da sentença homologatória da partilha. Homologada a partilha, a interessada também recorreu dessa decisão para o TRL.
Apreciação do Tribunal da Relação de Lisboa
O TRL rejeitou, por inadmissibilidade legal, o primeiro recurso e julgou totalmente improcedente o recurso interposto da sentença homologatória da partilha, confirmando-a.
Decidiu o TRL que as decisões proferidas pelo notário, após o saneamento do processo de inventário e de determinação dos bens a partilhar e da forma da partilha, não são recorríveis autonomamente, mas apenas conjuntamente com o recurso que for interposto da sentença homologatória da partilha, competindo ao Tribunal da Relação conhecer desse recurso conjunto.
Tendo sido apresentado recurso autónomo de uma decisão intercalar que só era recorrível conjuntamente com o recurso da sentença homologatória da partilha, o mesmo é legalmente inadmissível, pelo que o Tribunal da Relação deve rejeitá-lo, não bastando que o recorrente requeira, no recurso que interpôs da sentença homologatória da partilha, a subida do recurso que havia interposto autonomamente.
Não tendo sido apresentando, conjuntamente, recurso da decisão intercalar, terá de entender-se que a mesma transitou em julgado, tendo força obrigatória dentro do processo, pelo que não pode o Tribunal da Relação sobre ela pronunciar-se, apenas lhe cabendo apreciar a sentença que homologou a partilha.
A sentença homologatória da partilha, embora seja uma sentença de mérito, limita-se a absorver o conteúdo do acordo de partilha decorrente do encontro de vontades dos interessados, sendo a intervenção do juiz meramente fiscalizadora da legalidade do objeto desse acordo e da qualidade das pessoas que o celebraram, sem interferir no seu conteúdo material, antes absorvendo a solução que os interessados deram ao litígio, no âmbito da autonomia privada e dentro dos limites da lei.
As questões relativas ao conteúdo ou validade material do acordo de partilha, nomeadamente, a de saber se o mesmo está afetado por vícios da vontade, só poderão ser conhecidas em ação própria ou em recurso extraordinário de revisão, reunidos que estejam os seus pressupostos legais e contextos temporais.
Por último, o recurso da sentença homologatória da partilha tem de incidir, necessariamente, sobre um vício da própria sentença e visa obter a sua reapreciação e não uma primeira decisão sobre questões novas que não tenham sido anteriormente suscitadas pelas partes.
Referências
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no processo n.º 3519/23.1T8LRS.L1-8, de 11 de janeiro de 2024
Lei n.º 117/2019, de 13/09, artigo 4.º
Código de Processo Civil, artigos 620.º n.º 1 e 1123.º