O novo governo vai «herdar» as propostas apresentadas pelo Grupo de Trabalho para a Propriedade Rústica (GTPR) criado em 2021, que prevê alterações de fundo ao Código do Registo Civil (CRCivil) e ao Código Civil (CCivil), a fim de concretizar algumas medidas em matéria de habilitação de herdeiros, bem como alterações ao Código do Processo Civil (CPC) no âmbito do processo divisório de inventário.
No que respeita à habilitação de herdeiros, pretende-se que, assim que passem seis meses a contar da abertura da sucessão sem que tenha sido feita a habilitação, se faça uma administração profissional, ou seja, realizada pelo administrador profissional da herança jacente, que o Código Civil deverá vir a prever, cujo estatuto é regulado por legislação especial. Altera-se para isso o CRCivil em matéria de comunicações a efetuar pelos tribunais, conservatórias e notários no registo do óbito. Através de novos mecanismos eletrónicos propostos pelo GTPR, o conservador poderá aferir se foi ou não efetuada qualquer menção relativa à existência de habilitação de herdeiros, entre a data que consta no assento de óbito e a data do fim do prazo.
Em matéria de compropriedade e comunhão hereditária ou comunhão conjugal, de divisão de coisa comum e do inventário, as soluções propostas passam por estabelecer processos divisórios rápidos que lhes ponha termo, a fim de obviar aos (considerados) inconvenientes da comunhão de direitos (indivisão) no que respeita a prédios rústicos aptos para cultura ou uso florestal. Assim, havendo dificuldade de partilha, o GTPR propõe que a herança jacente saia da sua esfera natural e, através de procedimentos administrativos, os bens acabem no património do Estado.
HABILITAÇÃO DE HERDEIROS
O administrador profissional
O administrador profissional intervém na herança jacente:
- quando não haja quem legalmente administre os bens o tribunal nomeará, quando necessário, um administrador profissional à herança jacente, a requerimento do MP ou de qualquer interessado;
- na falta de habilitação de herdeiros, decorridos seis meses a contar da abertura da sucessão, é sempre nomeado administrador profissional à herança pelos serviços de registo civil;
- na falta de habilitação de herdeiros, decorridos cinco anos após a abertura da sucessão, o administrador profissional da herança procederá à liquidação da herança.
A administração profissional da herança terminará uma vez deferido o cargo de cabeça-de-casal.
O administrador profissional intervém no âmbito do direito de exigir partilha:
- não se realizando partilha no prazo de cinco anos a contar da aceitação pelos co-herdeiros, promove-se a nomeação de administrador profissional à herança indivisa, com poderes de liquidação;
- no caso de o autor de sucessão ter falecido casado em regime de comunhão de bens e com filhos, o prazo de cinco anos a contar da aceitação pelos co-herdeiros só começa a contar a partir do momento da morte do cônjuge sobrevivo.
O CCivil prevê que qualquer co-herdeiro ou o cônjuge meeiro tem o direito de exigir partilha quando lhe aprouver. E passará a prever que não possa renunciar-se ao direito de partilhar.
O administrador profissional intervém havendo designação por vontade do testador ou dos interessados:
- o testador pode entregar a administração da herança a administrador profissional;
- por deliberação dos interessados que, no total, detenham mais de metade do património hereditário, pode entregar-se a administração da herança a administrador profissional.
Comunicações pelos tribunais, conservatórias e notários
Nos termos do CRCivil, a habilitação de herdeiros é mencionada no assento de óbito do falecido, por meio de cota de referência que especifique a data, a forma de titulação e a identificação do título. Para esses efeitos, no prazo de cinco dias após o trânsito em julgado de decisão judicial que declare a habilitação de herdeiros ou da data em que seja lavrada escritura pública do mesmo ato, o respetivo tribunal ou notário comunicam a qualquer conservatória do registo civil a decisão judicial ou escritura que titule a habilitação de herdeiros através do envio, sempre que possível por via eletrónica, de certidão do título respetivo.
O notário comunica a qualquer conservatória do registo civil, preferencialmente por via eletrónica, a instauração do processo de inventário.
Como o CCivil passa a prever a nomeação, pelos serviços de registo, do administrador profissional da herança jacente, o CRCivil vai prever a notificação eletrónica ao conservador efetuada, relativa ao incumprimento do prazo de seis meses a contar da abertura da sucessão para a feitura de habilitação de herdeiros. Esta notificação faz-se através do sistema informático de apoio ao Registo Civil, que atualmente é o SIRIC - Sistema Integrado do Registo e Identificação Civil.
ALTERAÇÕES NO PROCESSO DE INVENTÁRIO E CPP
No âmbito das propostas do GTPR, o CPC poderá ser alvo de alterações no âmbito do processo divisório de inventário.
Lembramos que em 2019 foi alterado o regime jurídico da estruturação fundiária, e o governo de então tinha definido objetivos para obviar ao que considera os inconvenientes da comunhão de direitos (indivisão) no que respeita a prédios rústicos aptos para cultura ou uso florestal.
Em matéria de compropriedade e comunhão hereditária ou comunhão conjugal, de divisão de coisa comum e do inventário, a proposta é que se estabeleçam processos divisórios rápidos e de baixo custo que lhes ponha termo e, havendo dificuldade de partilha, a herança jacente deve sair da esfera pessoal e, mediante um procedimento administrativo, ficar o Estado com o património.
Das medidas propostas pelo GTPR no relatório de 2023 destacamos:
- facilitar o processo de divisão de coisa comum, uma vez que a compropriedade é desvantajosa para a gestão da propriedade rústica:
- há exclusão expressa da admissibilidade de pedido reconvencional,
- a citação dos credores com garantia real na fase da venda,
- impõe-se a junção aos articulados de documentos que visem o cumprimento das normas sobre indivisibilidade dos prédios,
- consagra-se a excecionalidade da perícia colegial em caso de divisão em substância,
- a conferência de interessados é eliminada se houver oposição à sua realização,
- institui-se a venda por leilão eletrónico.
- no processo de inventário, cessar a situação de herança indivisa e, por conseguinte, as limitações de gestão inerentes ao fenómeno de comunhão hereditária. Para facilitar este processo e permitir que o património do falecido caiba em titularidade exclusiva aos seus herdeiros – seus familiares ou outros - as propostas incluem:
- previsão expressa que a partilha não pode violar regras sobre divisão e fracionamento de prédios, sejam legais ou regulamentares; (em propostas anteriores o GTPR tinha pensado numa consulta prévia/disponibilização da informação que consta da plataforma da Direção-Geral do Território antes da sentença homologatória da partilha)
- nova possibilidade de composição de quinhões através da constituição de uma sociedade, em que o património hereditário se converte em património social com os herdeiros como sócios, através de acordo unânime;
- para efeitos de composição de quinhões, substitui-se acordo entre todos os co-herdeiros por uma deliberação dos co-herdeiros com mais de metade do património hereditário (salvo quando a composição se fizer através da constituição da sociedade);
- a venda em leilão substitui a licitação: qualquer pessoa poderá participar via plataforma online, embora o herdeiro tenha direito de preferência e dispensa de pagamento do preço até ao limite do valor da sua quota.
De uma partilha nunca poderá resultar divisão ou fracionamento de prédios em violação das disposições legais e regulamentares aplicáveis.
DIVISÃO DE COISA COMUM
Citação, oposição e novo requisito comum aos articulados
Não será admissível a dedução de pedido reconvencional.
Os credores que beneficiem de garantia real sobre o bem serão citados apenas na fase da respetiva venda.
Um novo artigo prevê um requisito comum aos articulados; prevê-se que todos os articulados que tenham como efeito ou resultado a divisão de prédios, sejam acompanhados dos seguintes documentos:
- título urbanístico ou outro título comprovativo da viabilidade legal da divisão da coisa comum em substância à data em que for instaurada a petição;
- configuração geométrica sobreposta em ortofotomapa mais recente, para os prédios sitos em municípios em regime de cadastro predial ou sistema de informação cadastral simplificada;
- esboço dos prédios resultantes da divisão de coisa comum.
Nos concelhos onde vigore cadastro predial, a configuração geométrica exigida para os prédios não cadastrados é substituída por levantamento cadastral em ortofotomapa em vigor, elaborado por técnico de cadastro predial.
Perícia, no caso de divisão em substância
O juiz nomeia um único perito para realizar perícia quando:
- não haja contestação,
- sendo a revelia operante,
- se a revelia for julgada improcedente e o juiz entender que nada obsta à divisão em substância da coisa comum.
Excecionalmente, a perícia será colegial se:
o juiz entender necessário, face à complexidade da diligência;
os interessados assim o requererem e indicarem, por unanimidade, os outros dois peritos que a irão efetuar.
O juiz decide segundo o seu prudente arbítrio, podendo fazer preceder a decisão da realização de segunda perícia ou de quaisquer outras diligências que considere necessárias.
Conferência de interessados
Fixados os quinhões, realiza-se conferência de interessados para se fazer a adjudicação, se não houver oposição de algum dos interessados. Na falta de acordo entre os interessados presentes na conferência, a adjudicação é feita por sorteio.
Sendo a coisa indivisível, a conferência visa o acordo dos interessados na adjudicação a algum ou a alguns deles, preenchendo-se em dinheiro as quotas dos restantes. Na falta de acordo sobre a adjudicação, é a coisa vendida, podendo os consortes concorrer à venda.
O acordo dos interessados presentes obriga os que foram notificados, mas não comparecerem.
Venda
A venda do bem será efetuada por leilão eletrónico, quando não haja conferência de interessados ou se, no âmbito da conferência, não existir acordo entre os interessados sobre a adjudicação.
Os interessados podem indicar agente de execução para dirigir a fase da venda. Nesta fase serão citados os credores que beneficiem de garantia real sobre o bem.
Inventário destinado a fazer cessar a comunhão hereditária
Na fase inicial de saneamento do processo e conferência de interessados, propõe-se que, no âmbito dos assuntos a submeter à conferência de interessados, os interessados que no total detenham mais de metade do património hereditário possam deliberar a composição dos quinhões, com a concordância do Ministério Público que tenha intervenção principal, segundo as três formas já previstas no CPC. Atualmente prevê-se a necessidade de unanimidade.
Quando a composição dos quinhões se realize mediante constituição de sociedade, convertendo-se o património hereditário em património social, é necessária unanimidade.
Leilão
As licitações do CPC passam a chamar-se leilões nos quais qualquer pessoa pode participar através de plataforma online.
O leilão acontece na falta de deliberação ou de acordo entre os interessados.
A licitação separada das verbas mantém-se, salvo se todos os interessados concordarem ou o juiz determinar a formação de lotes.
O herdeiro terá direito de preferência e de dispensa do pagamento do preço oferecido até ao limite do valor da sua quota.
Até ao leilão, qualquer interessado pode requerer a avaliação de bens, devendo indicar aqueles sobre os quais pretende que recaia a avaliação e as razões da não aceitação do valor que lhes é atribuído. Propõe-se que o deferimento do requerimento de avaliação suspenda o leilão pelo prazo máximo de 30 dias.
Referências
Relatório do Grupo de Trabalho para a Propriedade Rústica, de 26.07.2023
Resolução do Conselho de Ministros n.º 13/2019 - DR n.º 14/2019, Série I de 21.01.2019, medida n.º II.9
Código do processo Civil, artigos 926.º e seguintes, artigo 202.º-B, n.º 3
Código Civil, artigos 2048.º e 2084.º