O Tribunal da Relação de Guimarães (TRG) decidiu que o facto de se verificar uma contribuição, ainda que avultada, de um dos cônjuges para um bolo familiar comum, sem destino específico, não permite afirmar que essa contribuição tenha servido para a aquisição de um determinado bem e que esse bem seja um bem próprio do cônjuge que fez essa maior contribuição, alegadamente por ter sido adquirido com dinheiro próprio do mesmo.
O caso
Em processo de inventário para separação de meações, em consequência de divórcio, apresentada a relação de bens, veio a interessada dela reclamar, acusando a falta de bens que deviam ser relacionados e indicando testemunhas.
Notificado da reclamação, o cabeça de casal respondeu alegando que o bem alegadamente em falta, um imóvel adquirido durante o casamento, constituía bem próprio do mesmo.
O tribunal julgou a reclamação totalmente procedente, declarando o imóvel em causa bem comum do casal e determinando a sua inclusão na relação de bens a partilhar. Inconformado com esta decisão, o cabeça de casal recorreu para o TRG.
Apreciação do Tribunal da Relação de Guimarães
O TRG julgou improcedente o recurso e confirmou, na íntegra, a sentença recorrida, ao decidir que o facto de se verificar uma contribuição, ainda que avultada, de um dos cônjuges para um bolo familiar comum, sem destino específico, não permite afirmar que essa contribuição tenha servido para a aquisição de um determinado bem e que esse bem seja um bem próprio do cônjuge que fez essa maior contribuição, alegadamente por ter sido adquirido com dinheiro próprio do mesmo.
Por isso é que a lei impõe que seja expressamente referido no documento de aquisição ou em documento equivalente, com a intervenção de ambos os cônjuges, que o bem adquirido, embora na constância do matrimónio, foi adquirido apenas com dinheiro próprio de um dos cônjuges.
Mesmo seguindo a tese de que o cônjuge que tenha usado dinheiro próprio na aquisição de bens na constância do matrimónio pode usar de outros meios de prova para demonstrar que o bem foi adquirido apenas com dinheiro seu, tal não o dispensa de provar esse facto com toda a clareza, o que no caso não ocorreu, na medida em que o cabeça-de-casal não logrou provar que a casa adquirida na constância do matrimónio, cujo pagamento foi feito com um cheque emitido da conta conjunta do casal, tenha sido paga apenas com dinheiro seu.
É que só conserva a natureza de bem próprio o dinheiro que o cônjuge quis salvaguardar, em seu poder ou em conta própria, não o partilhando com o seu cônjuge. Se esse dinheiro, apesar de próprio, foi incluído livremente numa conta conjunta, destinado indistintamente aos gastos da vida familiar, ele deixa de ser próprio e passa a ser comum, destinando-o o casal à sua economia familiar, adquirindo com ele os bens que considere necessários ou úteis para a sua vida conjugal.
Quanto à prova da titularidade de uma conta bancária, o contrato de abertura de conta, tal como o de depósito bancário que lhe está associado, embora não previsto especificamente na lei, é um negócio de caráter formal, sendo a sua assinatura essencial para a sua validade jurídica. Daí que a titularidade de uma conta bancária, apenas em nome do cabeça de casal, não possa ser provada por outro meio de prova, seja testemunhal ou declarações de parte, que não a prova documental.
Referências
Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido no processo n.º 176/18.0T8VPC-D.G1, de 29 de fevereiro de 2024
Código Civil, artigos 393.º n.º 1 e 1723.º alínea c)