O Tribunal da Relação de Coimbra (TRC) decidiu que um pai que peça a declaração judicial de cessação da prestação de alimentos ao seu filho maior, deve ver essa pretensão recusada, pois tal declaração implica que o seu filho, como credor dos alimentos, viole gravemente os seus deveres para com o pai obrigado àquela prestação.
Não falar com o pai durante anos não preenche essa gravidade e, além disso, é preciso que prove que o filho tem agora capacidade financeira e pode prescindir da mensalidade.
O caso
Um pai pediu a cessação da prestação de alimentos de 175 euros contra o seu filho, de 22 anos, por considerar que este lhe falta continuamente ao respeito, estuda sem aproveitamento e, além disso, dispõe de meios de subsistência uma vez que se encontra a trabalhar.
Alegou que há 8 anos que o filho nem sequer o cumprimenta quando o encontra ocasionalmente; também não responde a telefonemas ou mensagens que lhe envie nalguns dias festivos.
O filho contestou; argumentou que a situação se mantém inalterada desde o divórcio dos pais, cuja separação teve influência no seu equilíbrio emocional e psicológico. Apenas decidiu trabalhar em part-time, quatro horas por dia, para aliviar a mãe nas despesas inerentes à sua formação. Ganha 356 euros e frequenta o 2º ano de um curso superior de três anos.
O tribunal manteve a obrigação alimentar e julgou o pedido do pai improcedente, que recorreu então para o TRC.
Decisão da Relação de Coimbra
O TRC confirmou a decisão anterior e julgou o recurso do pai improcedente, uma vez que, nos termos do Código Civil, a cessação da obrigação alimentar exige que o credor dos alimentos viole gravemente os seus deveres para com o obrigado.
No caso, o exercício das responsabilidades parentais foi regulado em janeiro de 2015. Desde essa data o filho não passou um único dia com o pai, apesar das tentativas deste. A situação mantém-se inalterada.
Verifica-se, portanto, que a rutura da relação afetiva não foi obstáculo ao cumprimento da obrigação alimentar ao longo de 8 anos.
Entende o TRC que não preenche essa gravidade a circunstância de o filho, decorridos 8 anos de falta de relacionamento, recusar falar com o pai.
Na prática, a falta de resposta às solicitações do pai não tem um sentido negativo grave, que possa ser apenas imputado ao credor, como o Código Civil exige, para que a obrigação alimentar cesse 8 anos depois, por esse motivo.
Quanto ao facto de o filho se encontrar a trabalhar e ter a possibilidade de prover ao seu sustento, o TRC concretiza que este sustento compreende tudo o que é indispensável à alimentação, habitação e vestuário do alimentando, incluindo ainda a finalização da instrução ou formação profissional do filho, conforme prevê o Código Civil.
O filho ganha do seu part-time 356 euros por mês, ou seja, com o valor da pensão, dispõe de 531 euros mensais. Tem despesas normais com alimentação, vestuário, saúde, propinas, combustível, e outras próprias da idade, sem a componente habitacional, que não foi mencionada no processo.
Cabe ao pai recorrente demonstrar o fundamento para a cessação da obrigação alimentar pedida.
Para o TRC, é preciso provar que o filho passou a ter capacidade económica para ter uma vida financeira autónoma e que deixou de ter necessidade do apoio da mensalidade do pai.
Referências
Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 20.02.2024
Código Civil, artigos 1880º, 2013º, n.º 1, alínea c)