O Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) decidiu que são os concretos enunciados fáticos alegados no processo e não os temas da prova que a lei impõe que sejam discriminados e declarados provados ou não provados pelo julgador, na sentença.
O caso
Após o divórcio, o ex-marido recorreu a tribunal pedindo para que fosse reconhecido que a casa onde tinham vivido fora paga apenas por si, com o produto da venda de outro imóvel seu e o remanescente com dinheiro seu, e que, por isso, era um bem próprio a excluir da comunhão.
A ex-mulher contestou, tendo o tribunal fixado o objeto do litígio e como tema de prova o pagamento das obras efetuadas no imóvel através de um empréstimo pedido pelo autor. Este requereu em audiência prévia a apensação aos autos do processo de inventário e reclamou do tema de prova enunciado, mas sem sucesso.
No prosseguimento dos autos foi proferida sentença que julgou improcedente a ação, decisão da qual foi interposto recurso para o TRL.
Apreciação do Tribunal da Relação de Lisboa
O TRL julgou improcedente o recurso, ao decidir que são os concretos enunciados fáticos alegados no processo e não os temas da prova que a lei impõe que sejam discriminados e declarados provados ou não provados pelo julgador, na sentença.
Os temas de prova constituem linhas orientadoras gerais sobre a prova a produzir e servem para delimitar o âmbito da mesma, sem a rigidez que decorria da anterior base instrutória e, previamente, dos quesitos, permitindo, uma maior flexibilidade do âmbito da instrução e da delimitação da matéria de facto apurada, que decorrerá da prova, ou não prova, dos factos concretos relevantes. Mas, de forma alguma se reconduzirá, ou confundirá com os factos concretos relevantes para a decisão da causa, daí que os temas de prova não se confundam com a matéria de facto apurada, isto é, com os factos provados ou não provados.
Havendo enunciação dos temas de prova, serão objeto da instrução os temas da prova formulados, densificados pelos respetivos factos, principais e instrumentais, constitutivos, modificativos, impeditivos ou extintivos do direito afirmado.
Assim, segundo a lei atualmente em vigor, a instrução tem por objeto os temas da prova enunciados ou, quando não tenha de haver lugar a esta enunciação, os factos necessitados de prova. Terminologia que não está isenta de críticas na medida em que não são os temas de prova que são objeto da instrução, ou seja, da produção de prova, mas sim os factos controvertidos ou necessitados de prova, pois o que se pretende com a atividade instrutória é a prova ou a demonstração dos factos relevantes. Donde, a atividade instrutória pode orientar-se pelos temas de prova, mas não os tem por objeto.
Nesta perspetiva criou-se na lei processual civil um novo paradigma com necessárias implicações, seja na eliminação de preclusões quanto à consideração de factos, seja na eliminação de um nexo direto entre os depoimentos testemunhais e concretos pontos de facto pré-definidos, seja ainda na inexistência de uma decisão judicial que, tratando a matéria de facto dos autos, se limite a responder a questões que não é suposto serem sequer formuladas, pois são os concretos enunciados fáticos alegados no processo, e não os temas da prova, que a lei impõe que sejam discriminados e declarados provados ou não provados pelo julgador, na sentença
De facto, com a enunciação dos temas da prova, o legislador pretendeu erradicar, de uma vez por todas, da prática judiciária portuguesa, a cultura durante décadas arreigada à figura do questionário, tendo a atividade instrutória da causa por objeto mediato, não os temas da prova enunciados, mas os concretos factos jurídicos em que eles se traduzem e desdobram, e sobre os quais incidirá o juízo probatório.
No caso, o tema de prova enunciado não abrangeu todo o objeto do litígio, mas sem que isso tenha em algum momento impossibilitado a instrução sobre os factos alegados, tendo o tribunal produzido a prova indicada pelas partes, sem qualquer restrição instrutória, e todos os factos alegados e relevantes sido objeto da mesma e da subsequente ponderação e consideração na sentença.
Não tendo, a final, se provado que o imóvel em causa tivesse sido adquirido apenas com quantia resultante da venda de um bem próprio, ou qual o concreto montante investido nessa aquisição e proveniente da venda de um bem próprio, e tendo os pagamentos feitos pelo autor para custear obras sido suportados com dinheiro proveniente do seu trabalho, com um empréstimo bancário que pediu e que liquidou com dinheiro proveniente do seu trabalho e com quantias que pediu emprestado aos seus pais e que liquidou com o produto do seu trabalho, esse dinheiro é, por força da lei, bem comum do casal, pelo que sempre teria a ação de improceder.
Referências
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no processo n.º 3375/21.4T8LSB.L2-6, de 7 de março de 2024
Código de Processo Civil, artigo 410.º