O Tribunal da Relação do Porto (TRP) decidiu que um pai não tem de pagar a frequência em estabelecimento de ensino superior particular caso a filha não tenha conseguido entrar no ensino público, se tal não constar do acordo para exercício das responsabilidades parentais nem tenha havido acordo anterior dos progenitores nesse sentido. Para um pai que aufere o salário mínimo, não é razoável exigir que ainda assim, assuma esse dispêndio.
O caso
Uma progenitora deduziu incidente de incumprimento das responsabilidades parentais visando a condenação do pai no pagamento das quantias despendidas com o processo de educação e formação profissional da filha de ambos, maior de idade.
Em 20/01/2014 tinha sido homologado acordo quanto ao exercício das responsabilidades parentais, por via do qual o pai entregaria à mãe €100 mensais; as despesas médicas e medicamentosas, material e livros escolares seriam pagas a meias. Também as atividades extracurriculares seriam suportadas em partes iguais pelos pais, desde que com prévio aviso e concordância do progenitor.
O pai contribui ainda com €200 para alimentos de outra filha, menor doente e a sua companheira encontra-se desempregada.
No ano letivo de 2020/21, a jovem matriculou-se na universidade; não entrou no ensino superior público, pelo que frequenta o privado. Em junho de 2020, a mãe comunicou ao pai a inscrição da jovem e pediu-lhe a sua comparticipação para as despesas. A progenitora exerce atividade profissional por conta de outrem com um salário mensal de €800,00.
O progenitor é ajudante de serralharia ao serviço de uma Unipessoal e aufere o salário mínimo nacional e paga regularmente as prestações mensais de alimentos devidas, com atrasos esporádicos.
Pai e filha não têm contacto nem convívio pessoal há anos, por desentendimentos pessoais e familiares entre ambos.
O tribunal de 1.ª instância, não deu razão à mãe e esta recorreu.
Decisão da Relação do Porto
O TRP julgou o recurso improcedente e manteve na íntegra a decisão recorrida.
A decisão de ingresso em estabelecimento de ensino superior particular teria de ter sido objeto de consenso entre os pais, atendendo aos rendimentos do trabalho ou outros enviolvidos.
As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho são exercidas em comum por ambos os progenitores nos termos que vigoravam na constância do matrimónio, salvo nos casos de urgência manifesta, em que qualquer dos progenitores pode agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível.
A matrícula em estabelecimento privado de ensino constitui questão de particular importância enquanto que o mesmo ato em estabelecimento de ensino público constitui ato da vida corrente.
Assim, o TRP considereu, tam como a 1ª instância, que a pretensão da mãe é desmesurada por confronto com os concretos rendimentos e meios de vida do pai.
Existe aqui inexigibilidade de assunção de tal dispêndio.
O Código Civil remete para a incapacidade económica do filho maior para prover ao seu sustento e educação, apontabdo para uma obrigação excecional que tem um carácter temporário, balizado pelo “tempo necessário” a completar da formação profissional do filho, e obedece a um critério de razoabilidade - é necessário que, nas concretas circunstâncias do caso, seja justo e sensato, exigir dos pais o custeio das despesas com o sustento e educação do filho maior.
Baseado no acordo parental existente quanto às despesas extraordinárias e de educação da filha, o TRP entendeu que não se pode dizer que o progenitor estivesse vinculado a suportar as despesas com propinas, taxas de inscrição e candidatura, seguros escolares e outros encargos no estabelecimento de ensino privado que a jovem frequentava.
Incumbia à filha alegar e provar que o pai assumira suportar as despesas em causa, o que não aconteceu neste processo.
No concreto contexto dos seus rendimentos e despesas, o TRP entendeu que é desrazoável condenar o requerido a suportar as despesas universitárias da filha.
A natureza da obrigação de alimentos, enquanto responsabilidade parental, impõe que se considere que as necessidades dos filhos sobrelevam as dificuldades económicas dos pais, cabendo a estes assegurar as necessidades daqueles de forma prioritária relativamente às suas.
A obrigação de alimentos fixada durante a menoridade prolonga-se até aos 25 anos do filho se a formação académica ou profissional deste não estiver completa, se não estiver em condições de suportar os respetivos custos pelo produto do seu trabalho ou outros rendimentos e pelo tempo normalmente requerido para que a formação se complete. Contudo, a obrigação estende-se na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento.
Neste caso, o pai auferia o salário mínimo nacional, suportando de prestação de alimentos para a filha que ingressou no ensino superior, e para uma outra menor e doente, somando-se despesas médicas e materiais escolares, e estando a companheira desempregada, não é razoável, e por isso, não é exigível, uma comparticipação em cerca de €200,00 mensais para pagar metade das despesas com universidade particular.
Referências
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 08.04.2024
Código Civil, artigos 342.º n.º 1, 1880.º, 1905º, n.º 2, 1906.º