O Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) decidiu que, ocupando um dos herdeiros um imóvel pertencente à herança, impeditiva da sua posse pelo outro herdeiro e, portanto, ofensiva da composse sobre esse bem, o prejuízo causado a este último corresponde à parte do valor locativo desse imóvel no mercado de arrendamento, durante todo o período em que se verificar essa ocupação, correspondendo essa parcela à quota desse herdeiro na herança.
O caso
Uma mulher intentou uma ação contra a sua irmã pedindo que esta fosse condenada a entregar-lhe o imóvel que os pais lhes tinham deixado em herança e que ela ocupara sem pagar qualquer contrapartida e sem permitir que o mesmo fosse vendido. A irmã não contestou, tendo a ação sido julgada procedente e ela condenada a entregar o imóvel e os bens que se encontravam no seu interior, bem como a pagar à herança 750 euros mensais a título de privação do uso do mesmo desde julho de 2016 até à sua entrega efetiva ou até que se procedesse à partilha do mesmo. Inconformada, a irmã recorreu para o TRL.
Apreciação do Tribunal da Relação de Lisboa
O TRL julgou procedente o recurso, reduzindo para 375 euros mensais o montante devido a título de privação do uso do imóvel e revogando a sentença recorrida na parte em que condenara a irmã a entregar os bem móveis que se encontravam dentro do imóvel.
Decidiu o TRL que, ocupando um dos herdeiros um imóvel pertencente à herança, impeditiva da sua posse pelo outro herdeiro e, portanto, ofensiva da composse sobre esse bem, o prejuízo causado a este último corresponde à parte do valor locativo desse imóvel no mercado de arrendamento, durante todo o período em que se verificar essa ocupação, correspondendo essa parcela à quota desse herdeiro na herança.
A herança é comummente designada como uma comunhão, na medida em que sendo vários os herdeiros os seus direitos incidem sobre um conjunto de bens e direitos relativamente a cada um dos quais não é possível afirmar que qualquer deles seja titular do direito de propriedade, até porque em partilha pode qualquer desses bens ou direitos ficar a pertencer a apenas um ou alguns dos herdeiros aplicando-se-lhe, com as necessárias adaptações, as regras da compropriedade.
Na falta de acordo sobre o uso da coisa comum, a qualquer dos comproprietários é lícito servir-se dela e o uso da coisa comum por um dos comproprietários não constitui posse exclusiva, ou posse de quota superior à dele, salvo se tiver havido inversão do título. O comproprietário pode dispor da sua quota na comunhão, mas não pode, sem consentimento dos restantes consortes, dispor de parte especificada da coisa comum, sendo essa disposição de parte especificada da coisa comum havida como disposição, necessariamente ilícita, de coisa alheia.
Na comunhão em mão comum ou propriedade coletiva há um património que é afeto a um determinado fim que pertence a dois ou mais sujeitos unidos por um determinado vínculo que tanto pode ser o património comum dos cônjuges, das sociedades não personalizadas ou a comunhão hereditária, afetação a um fim que não existe na compropriedade.
A privação do uso do imóvel pertencente à herança por parte do herdeiro e cabeça-de-casal, sendo a sua quota de metade da herança, apenas redundará na obrigação por parte do herdeiro ocupante, de indemnizar a herança se esse uso exclusivo, e consequente impedimento de uso por parte do consorte, puser em causa uma concreta necessidade de utilização do prédio por parte do herdeiro afetado.
Pelo que, tendo em conta que se o imóvel fosse colocado no mercado de arrendamento urbano para habitação o mesmo renderia às duas herdeiras, pelo menos, uma renda mensal do valor de 750 euros, a herdeira ocupante apenas terá de pagar metade desse valor à herança. Sendo esses valores devidos à herança que não à co-herdeira, a irmã, na partilha da herança, nada terá a haver sobre esses valores, de que a herança é credora, posto que já recebeu o correspondente em uso.
Não existindo elementos de prova que permitam tirar a conclusão de que, aquando da ocupação do imóvel, a irmã passou a deter os bens móveis que tinham sido deixados dentro de mesmo pelos autores da herança e que, por ter ocupado o imóvel, passou a ser responsável pela sua conservação enquanto não fosse reclamada a entrega pela cabeça-de casal, admitindo que esses bens ainda existem, o que não foi comprovado, sempre teria a autora, na qualidade de cabeça de casal, que alegar que a sua entrega à herança na pessoa do cabeça de casal se tornou necessária para a efetiva administração desses bens por parte do cabeça de casal, o que no caso não ocorreu, pelo que se impõe a revogação da decisão que ordenou a entrega desses bens.
Referências
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no processo n.º 9450/20.5T8LSB.L2-2, de 9 de maio de 2024
Código Civil, artigos 1404.º, 1406.º, 1408.º e 2088.º