Para admitir um pedido implícito é preciso que o ato tenha a forma adequada e exista essa intenção do seu autor, apreendida quer pelo tribunal quer pela parte contrária. O Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) decidiu que o tribunal não pode resolver qualquer conflito de interesses que a ação pressuponha sem que essa resolução lhe seja pedida; tal está subjacente no âmbito processual e como decorrência do princípio do dispositivo e do princípio do pedido.
Neste caso, o TRL considera que a autora não pretendia que se discutisse o seu apartamento como bem próprio na separação de meações após divórcio. Nem ela, nem o ex-marido punham em discussão o bem imóvel identificado como bem próprio dela.
O caso
A e R foram casados em comunhão de adquiridos e divorciaram-se em 2019; encontram-se em litígio no âmbito de inventário para separação de meações. A mulher intentou uma declarativa para que fosse declarada única e exclusiva titular da quantia de €34.455,61, seu bem próprio.
Em 2005 a A tinha adquirido em solteira um andar com recurso a crédito à habitação e €10.000 das economias do casal. A mulher trabalhou na empresa do pai entre 2002 e 2008 e recebeu uma quantia como indemnização pelo seu despedimento, tendo consentido que esse dinheiro fosse empregue na economia do casal. A mãe da A fez várias transferências a favor desta, no valor de € 17.500. O pai da A tinha-lhe ainda entregue €10.000,00 para que comprasse um automóvel.
O pagamento das obras no apartamento foi feito pelo R, em nome do casal.
Considera a A na ação que são seus bens próprios e não podem ser integrados na comunhão de bens a dividir: o imóvel, a indemnização pelo despedimento, os montantes que recebera da mãe,
o valor entregue pelo seu pai para comprar o carro, mais €750 referente ao abate do antigo.
O tribunal decidiu que caberia à A os €3.000 da indemnização pelo despedimento e condenou R a entregar essa quantia; declarou ainda o imóvel como bem próprio de A, por entender que estava perante um pedido implícito nesse sentido.
R recorreu; defendeu que a A nada tinha peticionando acerca do andar, tendo apenas aflorado no seu articulado um determinado imóvel e dito que era bem próprio seu. Em consequência, o tribunal nunca poderia ter considerado que tal alegação comportaria um pedido implícito e determinar-se a conhecê-lo.
Decisão da Relação de Lisboa
O TRL julgou procedente o recurso de R, revogou a decisão que considerou o pedido implícito e eliminou essa parte da sentença.
Entendeu que não resultava da interpretação da petição inicial que a autora pretendesse uma discussão do bem imóvel como pedido implícito, já que ela identificara o andar como bem próprio; tal discussão também não advinha da contestação do réu, pois este assumira a natureza de tal bem como próprio da autora e nem sequer punha em causa a eventual aplicação do Código Civil quanto a bens adquiridos em parte com dinheiro ou bens próprios e noutra parte com dinheiro ou bens comuns.
O imóvel é identificado como bem próprio, o que não é contestado pelo réu, que assume a natureza de tal bem como próprio da autora.
Em caso de entendimento comum do ato postulativo, o sentido que a este é fixado coincide com o sentido genericamente considerado relevante quando se procede à fixação do sentido de uma declaração negocial. Nestes casos, exprimindo o ato de forma adequada a intenção do seu autor e sendo essa intenção apreendida, tanto pelo tribunal, como pela parte contrária, poderá concluir-se que o ato terá o sentido correspondente à intenção do seu autor, admitindo-se assim, o pedido implícito.
Quanto ao dinheiro, o TRL entendeu que não existe doação uma vez que se provou que A consentiu que tal valor, na sua génese próprio, fosse empregue na economia do casal. Não há uma doação ao réu nem pode entender-se que o foi em benefício comum, conforme o Código Civil em matéria de doações entre casados. O TRL recorda que os bens doados não se comunicam, seja qual for o regime matrimonial.
Tendo o dinheiro entrado na “economia do casal” pode ter sido gasto em despesas correntes, sempre em benefício de ambos os cônjuges, pois é este o significado de “economia do casal”. Há que provar concretamente o gasto, o que não aconteceu neste caso, ao contrário dos valores gastos em obras pagas pelo R, que se demonstrou.
Portanto, não tendo sido uma doação ao outro cônjuge, não tem de lhe ser entregue à autora, nem está em causa qualquer eventual compensação.
Inexiste assim, fonte de obrigação que permita condenar o réu a pagar tal valor à autora, dado que utilizado na economia do casal, beneficiando ambos e não fazendo parte do acervo a partilhar ou objeto de compensação. A questão não constitui objeto de discussão como bem próprio ou comum, ou sequer como decisão que determina o pagamento de tal valor do réu à autora.
Referências
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 09.05.2024
Código Civil, artigos 1722.º, nº 1 al. a), 1726º, 1764º, 1791.º, n.º 1
Código Processo Civil, artigo 3.º