O Tribunal da Relação de Coimbra (TRC) decidiu que para cessação da prestação alimentícia por alteração superveniente das circunstâncias, o autor tem de alegar e provar detalhadamente, as condições económicas de que dispunha quando assumiu aquela prestação, suas e da ex-mulher, as que ocorreram na sua vida que o privaram de capacidade económica, e as circunstâncias presentes, para que o tribunal possa comparar. Havendo variação de contexto, pode autorizar a alteração da obrigação; no caso contrário, a modificação deve ser recusada, o que aconteceu neste caso.
O caso
Um homem, condenado a pagar à ex-mulher € 250 mensais a título de alimentos definitivos, instaurou ação de cessação da prestação alimentícia, invocando alteração superveniente das circunstâncias. No seu entender, não podia continuar a pagar e a ex-mulher não precisaria da prestação.
Em 21/07/2020, chegaram a um acordo provisório, homologado por sentença, em virtude do qual ficaria a pagar uma pensão mensal de €400, mais alimentos mensal de € 150 e, ainda, 50% das despesas de saúde e de educação da filha comum, mediante a apresentação dos respetivos comprovativos.
Por ter tido uma diminuição significativa dos seus rendimentos mensais, já não tinha condições de continuar a suportar o pagamento da pensão de alimentos à ex-mulher, pois as suas despesas ultrapassam os seus rendimentos. Alegou a remodelação da sua empresa em consequência da pandemia e da guerra entre a Rússia e a Ucrânia e, os problemas de saúde de que sofria, bem como a sua atual companheira. Além disso, a ex-mulher não pagava arrendamento do imóvel onde residia, uma vez que a casa era do ex-casal e tinha sido doada aos seus filhos. E tinha além disso recebido € 61.131.18, na sequência da partilha por divórcio instaurada num tribunal suíço.
A ex-mulher contestou; defendeu que esse valor não tinha alterado a sua situação económica de molde a não precisar da mensalidade que o autor lhe paga a título de alimentos.
O tribunal deu razão ao autor e determinou a cessação da obrigação de prestação da pensão de alimentos à ex-mulher.
Esta recorreu, por entendeu que o ex-marido não tinha provado a verificação da alegada alteração de circunstâncias. Considerou que a alteração superveniente das circunstâncias teria de ser provada por documentos e não por declarações.
Decisão da Relação de Coimbra
O TRC revogou a decisão da 1ª instância e julgou o recurso procedente.
Uma vez que foi o autor quem instaurou a ação, cabe-lhe o ónus de alegar em detalhe quais as circunstâncias que ocorreram na sua vida que o privaram de capacidade económica, bem como aquelas em que se encontrava quando celebrou o acordo, mediante o qual se obrigou a pagar a prestação cuja obrigação agora pretende ver cessada.
Incumbia ainda ao ex-marido a alegação das circunstâncias da ré no momento do acordo e as supervenientes que determinariam a desnecessidade dos alimentos.
Para que se faça cessar a prestação de alimentos fixada torna-se necessário a verificação da ocorrência superveniente de circunstâncias que o justifique, encontrando-se entre estas a impossibilidade do obrigado a prestar os alimentos o continuar a fazer ou da desnecessidade daquele que os recebe.
A conclusão de que ocorreu uma alteração de circunstâncias exige um juízo de comparação entre o circunstancialismo vigente num dado momento e o contexto existente num momento posterior.
Entendeu o TRC que o autor não alegou o necessário quanto as condições económicas de que dispunha quando assumiu aquela prestação, pelo que se torna impossível, considerando os factos de que agora se tem conhecimento, concluir que sofreu uma modificação superveniente que não lhe permite satisfazer aquela obrigação, o mesmo se dizendo quanto à situação da Ré.
Sendo desconhecida a situação económica de ambos no momento em que a pensão foi acordada, não existe o necessário termo de comparação que permita apurar da superveniência da atual situação.
Por fim, a prova de que a ex-mulher recebeu € 61.131,18, na sequência da partilha dos bens do casal, não é demonstrativa da alteração da sua situação económica de molde a provocar a sua desnecessidade dos alimentos. Esse valor, na data da sua fixação por acordo, já integrava o seu direito no património comum do casal formado por si e pelo autor.
O TRC esclarece que, para se concluir que existe alteração das circunstâncias, exige-se um juízo de comparação entre o circunstancialismo vigente num dado momento e o contexto existente num momento posterior. Ou seja, para que se assente numa modificação superveniente de circunstâncias é indispensável conhecer essas circunstâncias em momentos temporalmente diferenciados.
Assim, para que uma obrigação parental seja modificável, com base na alteração das circunstâncias, aquele que pretende a alteração deve alegar – e provar - as circunstâncias existentes no momento em que aquela obrigação foi contraída e as circunstâncias presentes no momento em que requer a modificação dessa mesma obrigação. Se o juízo de relação mostrar uma variação de contexto, deve autorizar-se a alteração da obrigação; no caso contrário, a modificação deve, naturalmente, recusar-se.
Referências
Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 07.05.2024
Código Civil, artigo 2013.º, 1, b)