O Tribunal da Relação de Évora (TRE) decidiu que a notificação deve ser pessoal, com observância das formalidades previstas para a citação, num incidente de incumprimento do acordo de regulação das responsabilidades parentais, como forma de assegurar o conhecimento do interessado direto, quando se verifique que o requerido não tem mandatário.
Caso exista mandato ou patrocínio oficioso conferido na precedente ação de regulação (ou apenso), deve ser notificado o mandatário ou patrono nomeado, mas o demandado também deve ser notificado para que lhe seja dado conhecimento direto da demanda, numa lógica de complementaridade e de efetivo acesso à Justiça.
O caso
Uma mãe suscitou incidente de incumprimento do acordo de regulação das responsabilidades parentais relativo à sua filha, nascida em janeiro de 2008, por omissão pelo progenitor do pagamento da prestação de alimentos dos meses de maio a novembro de 2023, e por nunca ter procedido à atualização anual da pensão desde 2018.
Estaria em falta o pagamento de € 1.440,29, € 301,88 dos quais em atualizações. Pediu ainda que fossem ordenadas as diligências necessárias para o cumprimento coercivo do acordado, e o descontado no vencimento do requerido, trabalhador por conta de outrem numa empresa de transportes auferindo € 1.483,32 por mês.
O acordo dos progenitores datava de 29/10/2012 e em 2013 o pai tinha instaurado ação de alteração do regime de exercício das responsabilidades parentais, tendo desistido dessa instância.
Em acordo, homologado em 29/11/2016, previa-se que o pai contribuiria mensalmente com € 145 a título de alimentos para a filha, valor atualizado anualmente em janeiro, em função da taxa de inflação, sendo a primeira atualização em 2018. Em 2023 o pai voltou a entrar com ação de alteração do acordo, tendo junto procuração para sua representação. Nesta ação teve lugar conferência de pais e audição da jovem a 08/01/2024.
A progenitora suscitou posteriormente incidente de incumprimento.
O incidente foi instaurado a 10/11/2023, tendo o requerido sido citado mediante carta registada com A/R a 04/01/2023. O juiz ordenou de imediato o desconto das prestações vincendas no vencimento, no valor atualizado de € 162,64, e citou o pai por carta registada com A/R para se pronunciar, o que não ocorreu. Na sentença, o pai foi julgado em incumprimento e condenado a pagar as várias prestações consideradas devidas. O desconto no vencimento destinado às pensões mensalmente devidas e vincendas foi de € 169,65, com início na pensão do mês de dezembro de 2023.
Inconformado, o pai recorrido apresentou recurso.
Alegou não ter sido legalmente notificado do requerimento inicial, só tomando conhecimento das diligências em causa ao visualizar o apenso na plataforma CITIUS, tendo a tramitação ocorrido à sua revelia e sem contraditório. Por outro lado, a sua mandatária deveria ter sido notificada pelo Tribunal. Defendeu que, por se tratar de um incidente relacionado com apenso da causa principal, as notificações às partes em processos pendentes também devem ser feitas na pessoa dos seus mandatários judiciais.
Decisão da Relação de Évora
O TRE acordou na procedência do recurso e decretou a anulação de todo o processado subsequente ao despacho que tinha ordenado o desconto no vencimento. Ordenou ainda a notificação da mandatária constituída pelo requerido.
Para o TRE, o incumprimento do exercício de responsabilidades parentais constitui-se como uma instância incidental, relativamente ao processo principal onde ocorreu a regulação dessas responsabilidades. Considerou não se estar perante uma ação autónoma, mas sim de um procedimento anómalo de carácter eventual, que visa resolver certas questões que, embora relacionadas com o objeto do processo, não fazem parte do encadeado lógico necessário à resolução do pleito tal como ele é inicialmente desenhado pelas partes.
Ou seja, o incumprimento do exercício de responsabilidades parentais implica um misto de atividade declarativa e de atividade executiva; apurar primeiro se existe incumprimento e depois determinar as diligências coercivas necessárias para o cumprimento.
Portanto, constitui-se como uma instância incidental, relativamente ao processo principal (onde ocorreu a regulação dessas responsabilidades), que tem por finalidade a verificação de uma situação de incumprimento. Por isso, a lei determina que o requerido deve ser notificado, ao invés do que se encontra previsto para a alteração, configurada como uma nova ação.
Nos termos do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC), autuado o requerimento, ou apenso este ao processo, o juiz convoca os pais para uma conferência ou, excecionalmente, manda notificar o requerido para, no prazo de cinco dias, alegar o que tiver por conveniente.
Considera o TRE que esta notificação há-de ser pessoal, com observância das formalidades previstas para a citação, como forma de assegurar o conhecimento do interessado direto, que é a primeira garantia do exercício do seu direito de defesa:
- quando o requerido no incidente não se encontra representado ou patrocinado nos autos, ou
- quando o processo de regulação se encontra findo não sendo de presumir, dado o tempo entretanto decorrido, segundo as regras da experiência comum ou de normalidade social, que o mandato conferido para estes últimos autos se tenha mantido.
Nos casos em que existe mandato ou patrocínio oficioso conferido na precedente ação de regulação (ou apenso), e sem prejuízo da notificação que seja feita ao demandado em ordem a dar-lhe conhecimento direto da demanda, o TRE entende que deve ser notificado o mandatário ou patrono nomeado nos termos previstos no Código do Processo Civil para a notificação às partes que constituíram mandatário.
A aplicação desta regra decorre da norma remissiva do RGPTC relativa ao direito subsidiário.
Para o TRE, esta interpretação segue a que já vem sendo a desta instância desde 2019 e que assenta numa lógica de complementaridade e de efetivo acesso à Justiça, assegurando que a parte tem garantida a defesa por profissional devidamente habilitado, conforme escolheu fazer.
Os termos em que tal notificação deve ser efetuada tem divergido nos tribunais. A Relação de Coimbra, por exemplo, já entendeu que é de exigir a notificação pessoal do requerido nos termos prescritos para a citação. Outros, como o pai agora recorrente, que a notificação deve ser feita também ao mandatário se o requerido estiver representado na ação principal ou, como se verifica neste caso, num outro apenso pendente.
Referências
Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 27.06.2024
Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 05.12.2019, processo 10197/18.8T8SNT-A.E1
Código do Processo Civil, artigo 247.º
Lei n.º 141/2015 - DR n.º 175/2015, Série I de 2015-09-08 (Regime Geral do Processo Tutelar Cível), artigos 33.º, 41.º n.º 3