O Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) decidiu que não é admissível que o pai, a pretexto da subsequente decisão provisória que regulou outros aspetos das responsabilidades parentais, suscite a alteração da prestação de alimentos como uma questão nova por se confrontar com as dificuldades e custos das viagens para estar com o filho menor, mesmo que viva e trabalhe no estrangeiro e o filho resida com a mãe em Portugal.
O caso
Um pai requereu a regulação provisória de certos pontos do regulação das responsabilidades parentais do seu filho C, com 14 anos.
Na sequência da conferência de pais, após a frustração do acordo integral, o tribunal decidiu que C estaria com o pai em fins-de-semana alternados, e passaria com ele metade das férias escolares de Natal e Páscoa, acordando os progenitores sobre os respetivos períodos com 30 dias de antecedência. Nas férias escolares de Verão, C passaria 15 dias seguidos com cada um dos progenitores.
O pai entrega à mãe, a título de alimentos devidos ao jovem, € 200 mensais por transferência bancária, quantia a atualizar anualmente conforme o índice de inflação do INE.
O pai recorreu. Defendeu que o filho vive em Lisboa com a mãe e ele vive e trabalha em Amesterdão, o que, inerentemente, se traduz em necessidade de deslocações para assegurar os convívios entre o pai e filho, com os inerentes custos de viagem e hotel e estadia. Além desses custos, o tempo de viagem iria consumir o tempo útil que teria para estar com o filho, em cada fim-de-semana.
Decisão da Relação de Lisboa
O TRL julgou a apelação parcialmente procedente e alterou vários pontos da decisão provisória de regulação das responsabilidades parentais.
Esclarece que essa decisão provisória, apesar de ser tendencialmente simplificada e abreviada, visa acautelar prontamente os interesses relevantes da criança e dos seus pais.
Por outro lado, considera que os pais não devem sair da conferência no mesmo estado em que aí entraram, particularmente se existir um litígio sobre qualquer questão importante e que urge resolver imediatamente. O direito-dever de guarda da criança ou de visita são questões que não podem permanecer injustificadamente no limbo e irresolutas, sob pena de potencial denegação de justiça, num caso que versa sobre direitos humanos de natureza pessoal e de suma importância para a vida da criança e dos pais.
Em termos objetivos, o TRL admite que o pai estará sempre numa posição desvantajosa em termos de cumprir os deveres e gozar os direitos que advém da relação parental, pois vive em Amsterdão. E considerou legítima a pretensão de deslocação ao estrangeiro com o filho e não ofensiva do interesse deste ou da mãe.
O menor a goza plenamente dos direitos de cidadania, incluindo a liberdade de sair do território nacional e nada tinha sido comprovado nos autos que desabonasse qualquer dos progenitores ou que pudesse determinar a limitação desse direito.
Assim, relativamente a alterações ao exercício das responsabilidades parentais, o TRL entendeu que apenas circunstância superveniente o poderia justificar. Sendo possível, isso não significa a volatilidade ou a total e imediata disponibilidade das decisões já tomadas. Os atos da vida corrente da criança já tinham sido alvo de acordo e, se o pai apelante entendia que esse acordo não salvaguardava os seus interesses ou os do filho, não o deveria ter celebrado.
Quanto às despesas com as viagens, o TRL entendeu que a mãe não está obrigada a prestar alimentos ao apelante no âmbito desta ação. As deslocações do menor são consideradas despesas que resultam de uma necessidade do alimentando. Quando o menor tem que se deslocar para a escola, para receber assistência médica, em passeio ou por qualquer outro motivo, é o progenitor que o tem à guarda que deverá assumir tal despesa. Em termos gerais, essas despesas de deslocação devem ser consideradas e valorizadas em sede de fixação da prestação alimentar.
No requerimento que o pai apresentou referiu despender € 380/mês com 2 deslocações mensais a Portugal para ver o filho, numa despesa unitária de cerca de € 190 por viagem. O pagamento pela mãe de 6 viagens do filho por ano ascenderia a cerca de € 1.140. Deduzida esta despesa ao valor anual da prestação alimentar, a mãe ficaria com cerca de € 1.260 do pai para fazer face à alimentação, vestuário e outras despesas correntes do menor perfaz o total diário legal de cerca de € 3,45. Mas o TRL considerou que esta seria uma solução globalmente desequilibrada em face do regime estabelecido na decisão provisória.
Para o TRL é preferível manter a solução da decisão provisória nessa matéria, isto é, o pai suporta as despesas com as viagens e a sua prestação alimentar mantém-se pelo valor mensal de € 200 (acrescendo metade das despesas escolares, médicas, medicamentosas, e com atividades extracurriculares que forem acordadas).
No que respeita à prestação alimentar, O TRL reconheceu a posição desvantajosa do apelante por viver longe e ter acordado que o seu filho fique a residir com a mãe em Portugal. No entanto, a questão da prestação alimentar não pode ser encarada unicamente em face dos períodos de tempo que o menor está à guarda de um ou de outro progenitor, como se fosse um taxímetro – que o Código Civil não o permite, prevendo que a medida da prestação deve ser proporcional aos meios do requerido e às necessidades do menor.
Apesar de o Código Civil não proibir a suspensão ou interrupção da prestação de alimentos durante determinados períodos, exige expressamente o acordo ou disposição legal em contrário, ou a ocorrência de motivos que justifiquem medidas de exceção. E não podem ser os mesmos que se verificam praticamente em quase todas as situações de regulação decididas pelo tribunal - a questão dos alimentos deve ser equacionada em função da existência de uma necessidade regular.
Tendo o tribunal previamente homologado o acordo parcial de ambos os progenitores quanto ao exercício das responsabilidades parentais relativamente aos atos da vida corrente da criança, não é admissível que o apelante, a pretexto da subsequente decisão provisória que regulou outros aspetos das responsabilidades parentais, suscite como uma questão nova a alteração do que foi anteriormente acordado.
Referências
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 11.07.2024
Código Civil, artigos 2003.º, 2004.º, 2005.º n.º 1, 2009.º
Constituição da República Portuguesa, artigo 44.º