O Tribunal da Relação de Guimarães (TRG) decidiu que constitui uma decisão surpresa quando, em sede de incidente de incumprimento das responsabilidades parentais, por falta de pagamento da pensão de alimentos, as partes são notificadas de decisão que, não só aprecia o incidente, mas, também, sem notificação para se pronunciarem e sem ser invocado qualquer motivo para essa não notificação, altera o regime das responsabilidades parentais.
O caso
Por apenso aos autos de regulação das responsabilidades parentais, a mãe, em representação dos seus dois filhos menores, deduziu incidente de incumprimento do exercício das responsabilidades parentais contra o pai dos mesmos, alegando que este não pagava a pensão de alimentos e reclamando esse mesmo pagamento.
O pai contestou, foi realizada a conferência e proferida decisão que alterou provisoriamente o acordo de regulação das responsabilidades parentais, para colocar as crianças a residirem com o pai, passando a mãe a contribuir com uma pensão de alimentos.
Inconformada, ela recorreu para o TRG.
Apreciação do Tribunal da Relação de Guimarães
O TRG julgou procedente o recurso, anulando a decisão recorrida e ordenando que se procedesse à notificação das partes para, querendo, se pronunciarem sobre a alteração do regime das responsabilidades parentais.
Decidiu o TRG que constitui uma decisão surpresa quando, em sede de incidente de incumprimento das responsabilidades parentais, por falta de pagamento da pensão de alimentos, as partes são notificadas de decisão que, não só aprecia o incidente, mas, também, sem notificação para se pronunciarem e sem ser invocado qualquer motivo para essa não notificação, altera o regime das responsabilidades parentais.
No caso não foi seguida a tramitação processual prevista na lei, ao ter sido proferida decisão, mesmo que provisória, sem a posterior realização de mediação ou audição técnica, sendo certo que às partes não foi dada a possibilidade de se pronunciarem em continuação de conferência ou em sede de alegações ou de audiência de discussão e julgamento, sobre as alterações ao regime das responsabilidades parentais.
Sendo que o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
De onde decorre serem proibidas as decisões surpresa, ou seja, sem prévia oportunidade de participação ou audição de partes, de modo que não é lícito ao juiz decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem, sobretudo quando estejam em causa decisões com as quais não poderiam contar. Decisões essas que enfermam de nulidade, na medida em que podem influir no exame ou na decisão da causa.
Referências
Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 11 de julho de 2024
Código de Processo Civil, artigos 3.º e 615.º
Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC), artigos 38.º, 39.º e 41.º