O Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN) decidiu que, havendo nomeação de patrono para intentar ação de impugnação de ato anulável, o prazo para intentar essa ação é de um ano após a concessão do apoio judiciário, desde que esse atraso seja imputável ao requerente.
O caso
Uma mãe viu ser revogada a decisão de concessão do subsídio parental inicial, por não reunir os requisitos necessários para o mesmo, com a consequente obrigação de devolução dos valores que, entretanto, tinha recebido. Notificada para restituir as prestações indevidamente pagas, reclamou, sem sucesso, tendo depois requerido apoio judiciário e a nomeação de patrono para impugnar a decisão. Mas o tribunal entendeu que, entretanto, caducara o seu direito de ação e absolveu a Segurança Social, decisão da qual foi interposto recurso para o TCAN.
Apreciação do Tribunal Central Administrativo Norte
O TCAN concedeu provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida e ordenando o regresso do processo ao tribunal recorrido para conhecimento do mérito da ação.
Decidiu o TCAN que, havendo nomeação de patrono para intentar ação de impugnação de ato anulável, o prazo para intentar essa ação é de um ano após a concessão do apoio judiciário, desde que esse atraso seja imputável ao requerente.
A caducidade do direito de ação é uma exceção dilatória que determina a absolvição do réu da instância. O prazo de impugnação contenciosa é de 3 meses desde a notificação do ato. Sendo formulado pedido de apoio judiciário, a ação considera-se proposta na data em que for apresentado o pedido de nomeação de patrono, dispondo este de um prazo de 30 dias para propor a ação, o qual, no entanto, é meramente ordenador.
Para o efeito, a lógica do processo civil não pode ser transposta, sem mais, para o contencioso a administrativo, designadamente no que diz respeito ao prazo de caducidade previsto na Lei do Acesso ao Direito e aos Tribunais, segundo a qual a proteção jurídica caduca pelo decurso do prazo de um ano após a sua concessão sem que tenha sido prestada consulta ou instaurada ação em juízo, por razão imputável ao requerente.
O contencioso administrativo tem um extenso normativo específico, do qual as normas do processo civil são meramente subsidiárias. A começar pela existência de ações que podem ser propostas a todo o tempo. Depois porque não se pode criar um prazo onde o legislador o não criou e em situações substancialmente distintas.
Assim, esse prazo de 3 meses para impugnar atos anuláveis aplica-se à situação geral e normal de o advogado ser escolhido pela parte. Se a parte escolheu um patrono não diligente que intentou a ação fora de prazo, o facto é imputável à parte porque podia e devia ter escolhido um patrono mais diligente. Mas não se pode aplicar esta lógica aos patronos nomeados que resultam de uma escolha, mais ou menos aleatória, da Ordem dos Advogados a que a parte tem, em princípio, de se sujeitar porque não paga pelos seus serviços.
Daí que o legislador tenha criado regras especificas para as situações de apoio judiciário, diferentes das regras gerais. Não se podendo, neste contexto, falar em suspensão do prazo com o pedido de nomeação de patrono, a qual cessa com a nomeação, porque não se trata do mesmo prazo, mas sim de prazos distintos criados em contextos e para regular situações completamente distintas.
Por outro lado, não se pode afirmar que no caso do patrono nomeado não existam prazos para intentar as ações e, logo, haja necessidade de aplicar também as regras gerais, em particular o prazo de 3 meses. Desde logo porque esse prazo se aplica até ser deduzido o pedido de apoio judiciário. Se o pedido de apoio judiciário for deduzido depois de decorrido esse prazo, tratando-se de impugnação de ato anulável, caduca o direito de ação. Depois porque, embora o prazo de 30 dias de que o patrono dispõe para intentar ação seja meramente ordenador, não deixa de ter uma dimensão compulsória porque é suposto o patrono nomeado não se quere sujeitar a processo e eventualmente pena disciplinar. Só em casos justificados não intentará a ação dentro desse prazo. Finalmente se a inércia for devida ao próprio autor, o direito de ação caduca no prazo de um ano
Daqui resulta que, na normalidade dos casos e salvo motivo justificado, por parte do patrono nomeado ou do autor, a ação será proposta no prazo de um ano, prazo que no caso concreto foi respeitado e que, de resto, é concedido ao Ministério Público para a impugnação de atos anuláveis.
Ainda que esse prazo de um ano tivesse sido excedido, a eventual falta de prova do motivo a que se ficou a dever esse facto não permite concluir que o atraso na propositura da ação só podia ser imputado à beneficiária da proteção jurídica, pois tal equivaleria a estabelecer uma presunção de culpa da mesma, a qual não está prevista na lei, e constituiria um desrespeito pelas regras processuais de repartição do ónus da prova pois, tratando-se de matéria de exceção, caberia ao réu prová-la, ou seja, que a autora não agiu com a diligência exigível, designadamente por não fornecer dados solicitados pelo patrono, e não à autora provar o contrário.
Referências
Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 17 de maio de 2024
Lei do Acesso ao Direito e aos Tribunais, artigos 11.º n.º 1 alínea b) e 33.º n.º 4
Código de Processo nos Tribunais Administrativos, artigos 1.º, 41.º, e 58.º n.º 1 alínea b)
Código Civil, artigo 342.º
Código de Processo Civil, artigos 264.º, 414.º e 571.º