O Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) decidiu que é nula a sentença proferida em processo de regulação das responsabilidades parentais sem ouvir o menor e sem justificar essa não audição.
O caso
Num processo de regulação das responsabilidades parentais relativamente a um menor de 8 anos, e após a apresentação de queixa por violência doméstica contra o respetivo pai, foi realizada a conferência de pais, à qual apenas compareceu a mãe.
No final foi proferida decisão a fixar o regime provisório de regulação das responsabilidades parentais, ficando a criança a residir com a mãe e esta encarregue em exclusivo das questões de particular importância na vida do filho, com o pai obrigado a contribuir com uma pensão de alimentos.
Discordando dessa decisão, o pai recorreu para o TRL.
Apreciação do Tribunal da Relação de Lisboa
O TRL julgou parcialmente procedente o recurso, alterando o regime provisório fixado, para as questões de particular importância para a vida do menor passarem a ser exercidas em conjunto por ambos os progenitores e fixando o regime de visitas.
Decidiu o TRL que é nula a sentença proferida em processo de regulação das responsabilidades parentais sem ouvir o menor e sem justificar essa não audição.
O juiz está vinculado a ouvir a criança, com mais de 12 anos, sobre as questões que diretamente lhe digam respeito, ou com idade inferior, desde que demonstre capacidade de compreensão do que se discute, ou se não a ouvir, deve justificar, por despacho, o motivo que torna essa audição desaconselhável por contrária ao interesse da criança. O que não pode é deixar de ouvir a criança sem justificar porque não a ouviu.
Essa dupla omissão, de não audição da criança e de falta de justificação dessa não audição, constitui um vício da sentença, por traduzir o proferimento de uma decisão que devia ter sido antecedida de um ato que foi indevidamente omitido, implicando a nulidade da decisão proferida por excesso de pronúncia.
Em face da regra da substituição ao tribunal recorrido, ainda que declare nula a decisão, o tribunal de recurso deve conhecer do objeto do mesmo.
Estado apurado que o menor, com oito anos de idade, apresenta um quadro de Perturbação do Espectro do Autismo que, no caso, tem consequências na sua parte emocional e comportamental, com muitas oscilações e episódios de descompensação, e que, quando atinge níveis de saturação, diz coisas descontextualizadas, é desaconselhada a sua audição. Nestas circunstâncias, apesar da nulidade da sentença, a mesma não inquina irremediavelmente o processo e a decisão proferida.
Faltando um dos pais, não é obrigatório que o juiz determine o adiamento da Conferência de Pais. Deverá fazê-lo se perspetivar, pelos elementos que constam do processo e pelas declarações do outro progenitor, existir uma probabilidade de os pais chegarem a um entendimento. Mas se perceber que esse acordo não é provável, então, nada impede, antes aconselha que, desde logo, possa e deva proferir decisão provisória.
O conceito de interesse da criança serve de critério para escolher, entre os dois progenitores, o que apresenta melhores condições de assegurar a efetiva satisfação do desenvolvimento físico, emocional, segurança, bem-estar da criança. Apurando-se que a mãe é o progenitor de referência da criança, a guarda do menor deve ser-lhe atribuída.
A fixação de residências alternadas é admissível desde que se faça um juízo de prognose favorável quanto ao que será a vida do menor, suportada em elementos de facto evidenciados no processo, sendo, em regra, a fixação desse regime só compatível com uma situação em que se verifique uma particular interação entre os progenitores, um relacionamento amistoso entre ambos, bem como uma razoável proximidade entre os locais onde habitam.
Só excecionalmente é que o direito de visitas pode ser afastado, tendo em conta o superior interesse da criança e o interesse na manutenção do vínculo afetivo com o visitante, designadamente quando as circunstâncias concretas do caso o desaconselhem, por existir algum tipo de risco efetivo, psicológico, emocional ou físico para a criança.
Questões de particular importância são todas as situações com potencial para causarem impacto forte na vida da criança, seja em termos de saúde física e psicológica, formação ou socialização. Mesmo no caso de termo da união de facto e de rutura da vida em comum, as questões de particular importância da vida do menor devem ser decididas por ambos os progenitores. Somente perante situações em que se considere que esse exercício comum é contrário ao interesse do filho é que poderá ser afastada essa regra de exercício conjunto de decisões relativas a questões de particular importância.
Referências
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 25 de janeiro de 2024
Regime Geral do Processo Tutelar Cível, artigos 4.º n.º 1 alínea c) e n.º 2, 5.º n.º 1, 21.º, 35.º n.º 3, 37.º n.º 3 e 40.º n.º 3
Código de Processo Civil, artigo 615.º n.º 1 alínea d)
Código Civil, artigos 1906.º e 1911.º