O Tribunal da Relação de Guimarães (TRG) decidiu que, tendo a criança direito à educação e realizando-se esta através da frequência do ensino, a determinação do estabelecimento de ensino a frequentar constitui uma questão de particular importância, cuja resolução incumbe ao tribunal no caso de desacordo entre progenitores que exerçam em comum as responsabilidades parentais, atendendo prioritariamente aos interesses e direitos da criança.
O caso
Por apenso à ação de regulação do exercício das responsabilidades parentais, uma mãe pediu autorização urgente para proceder à matrícula do filho numa escola pública do primeiro ciclo. Pediu ainda para que se estabelecesse provisoriamente a guarda da criança a seu favor. Fê-lo alegando que o pai matriculara o filho num colégio privado, contra a sua vontade, fazendo-se passar por encarregado de educação e declarando que exercia sozinho as responsabilidades parentais, mentindo quanto ao regime em vigor. O tribunal decidiu provisoriamente que o menor fosse matriculado pela mãe na escola pública, decisão da qual o pai recorreu para o TRG.
Apreciação do Tribunal da Relação de Guimarães
O TRG julgou improcedente o recurso, mantendo a decisão recorrida, ao decidir que, tendo a criança direito à educação e realizando-se esta através da frequência do ensino, a determinação do estabelecimento de ensino a frequentar constitui uma questão de particular importância, cuja resolução incumbe ao tribunal no caso de desacordo entre progenitores que exerçam em comum as responsabilidades parentais, atendendo prioritariamente aos interesses e direitos da criança.
No caso de divórcio, as responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho são exercidas em comum por ambos os progenitores nos termos que vigoravam na constância do matrimónio, salvo nos casos de urgência manifesta, em que qualquer dos progenitores pode agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível.
A qualificação da questão como de particular importância tem um relevo determinante, pois só nesse caso é admissível o recurso aos tribunais para a resolução do diferendo entre os progenitores, tendo sempre em conta os interesses e direitos da criança.
O interesse da criança é um conceito jurídico indeterminado, mas a sua prossecução visa proporcionar à criança um saudável e harmonioso desenvolvimento físico, mental, espiritual, moral e social, garantindo-lhe proteção e cuidados necessários ao seu bem-estar. Reconduz-se ao estabelecimento de condições materiais, sociais, espirituais e morais favoráveis ao desenvolvimento harmónico da criança e à sua progressiva autonomização.
O exercício em comum das responsabilidades parentais demanda que os progenitores se esforcem no sentido da obtenção de acordo sobre questões de particular importância e não assumam comportamentos reveladores de desprezo pela solução legal.
Estando em causa uma divergência de longa data, relativamente à qual não era impossível alcançar um acordo, dada a irredutibilidade de posições, não podia o pai ter agido à revelia da mãe, inscrevendo o filho num colégio privado. Depois, na dicotomia entre escola pública e colégio privado, não se pode partir do pressuposto de que a frequência do ensino privado é melhor para a criança. Tudo depende dos concretos estabelecimentos que se estejam a comparar. Não sendo possível atribuir qualquer prevalência ao ensino privado e existindo posições antagónicas dos progenitores sobre o estabelecimento de ensino que a criança deve frequentar, a decisão terá de se alicerçar em elementos factuais que permitam afirmar que a frequência de determinada escola é preferível, mesmo que não seja uma solução muito melhor do que aquela com que se compara.
Estando a escola pública mais próxima das casas de ambos os progenitores e implicando a opção pelo estabelecimento de ensino privado sempre um custo económico mais elevado, deve ser confirmada a decisão que, na falta de acordo entre os progenitores, considerou ser do interesse da criança a sua matrícula na escola pública pretendida pela mãe.
Referências
Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 26 de setembro de 2024
Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC), aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 08/09, artigos 4.º e 44.º n.º 1
Código Civil, artigos 1901.º e 1906.º