O Tribunal da Relação de Évora (TRE) decidiu que, na responsabilidade por dívidas, são devidas compensações quando as dívidas comuns dos cônjuges forem pagas com bens próprios de um dos cônjuges ou quando as dívidas de um só dos cônjuges sejam pagas com bens comuns. Se a autora prestou fiança num processo executivo contra empresas do marido e pagou por penhora da sua pensão de reforma, então pagou uma dívida comum com bens comuns, mesmo que estejam depois divorciados, pois no regime de comunhão de bens as pensões de reforma auferidas por qualquer dos cônjuges são bens comuns.
O caso
A autora instaurou ação contra o ex-marido B, pedindo que este fosse condenado a pagar-lhe € 28.904,66 mais juros de mora. Na pendência do casamento, tinha subscrito títulos de crédito e efetuado operações bancárias para reestruturação financeira das empresas do marido. Tinham estado casados entre 1973 e 2021. No âmbito de uma ação executiva contra B e uma das empresas deste, no contexto das garantias que prestou, a autora pagou uma dívida, através da penhora mensal da sua pensão de reforma. O ex-marido teria garantido que iria reembolsá-la após vender um imóvel rústico, mas não o fez.
Como executada apenas tinha pago as três primeiras prestações e uma parte da quarta prestação, pelo que, em 20-02-2010, o saldo devedor dos executados para com a exequente ascende a € 24.410,31. Tinha sido determinada a penhora da sua pensão de reforma para pagar a quantia em dívida, tendo sido pago o valor de € 27.317,24 até 20-03-2013.
Já divorciados, a 09-03-2021, a autora comunicou ao ex-marido que a quantia exequenda e demais custos e encargos processuais com aquela execução estavam pagos num total de € 28.713,24, e pretendoia ser integralmente reembolsada.
O B entendeu que o dinheiro com que tinha sido paga aquela quantia 24 era de ambos.
O tribunal julgou a ação improcedente e absolveu o réu do pedido. Entendeu que se tratava de uma dívida comum e encontrando-se paga com um bem comum, o réu já tinha pago a sua metade da dívida aquando do divórcio, não existindo qualquer crédito dela sobre ele.
A mulher recorreu, defendendo que o pagamento, por parte de apenas um dos cônjuges, através da penhora da sua reforma, de uma dívida emergente do accionamento de uma fiança em que ambos os cônjuges se obrigaram como fiadores, constituída a favor de uma sociedade comercial, conferia ao cônjuge onerado com esse pagamento, o direito de regresso contra o outro cônjuge, na proporção da quota que a este último cabia satisfazer na fiança. Tal dívida originária afiançada não se tinha destinado à cobertura de encargos da vida familiar do casal fiador, nem da mesma resultara qualquer benefício ou vantagem patrimonial para a comunhão conjugal.
Decisão da Relação de Évora
O TRE julgou a apelação improcedente e confirmou a sentença recorrida.
Para o TRE, trata-se de uma dívida comum - fiança prestada por autora e réu -, que foi paga com bens comuns, pois no regime de comunhão de bens as pensões de reforma auferidas por qualquer dos cônjuges são bens comuns, pelo que não há lugar a qualquer compensação.
Analisando a questão de um eventual direito de regresso, o TRL confirma o entendimento da 1ª instância. A quota-parte da dívida cuja responsabilidade pelo seu pagamento estava a cargo das sociedades insolventes tem de ser repartida pelos demais devedores, incluindo o credor de regresso. Ou seja, em termos práticos, a dívida deve ser repartida a meias pela autora e pelo réu, na qualidade de únicos co-fiadores e cuja responsabilidade não se extinguiu.
O TRL sublinha que nesta ação, se está perante a satisfação por um confiador (a autora) de um crédito, cujo pagamento se encontrava globalmente garantido por esta e outros fiadores (réu e uma sociedade) que se vincularam à sua satisfação, de forma solidária, com renúncia aos benefícios de divisão e excussão.
A autora (fiadora solvens) pretendia através desta ação, que o réu confiador, à data seu marido, lhe pague o valor por ela satisfeito à sociedade credora, considerando que a sociedade devedora e a sociedade confiadora foram declaradas insolventes.
Contudo, o Código Civil prevê que, havendo vários fiadores, e respondendo cada um deles pela totalidade da prestação, o que tiver cumprido fica sub-rogado nos direitos do credor contra o devedor e, de harmonia com as regras das obrigações solidárias, contra os outros fiadores.
No que respeita ao direito de regresso, o Código prevê que, entre devedores solidários, o devedor que satisfizer o direito do credor além da parte que lhe competir tem direito de regresso contra cada um dos condevedores, na parte que a estes compete.
Relativamente ao direito contra os outros confiadores, independentemente do direito do confiador solvens ser um novo direito de regresso ou o anterior direito satisfeito, em cuja titularidade ele ingressou por sub-rogação legal, a obrigação de reembolso dos outros confiadores é limitada às quotas de cada um na garantia prestada, quotas essas determinadas pela especificidade das relações internas entre eles. Presume-se a igualdade de quotas, na ausência de estipulação em contrário.
Tendo um dos confiadores sido declarado insolvente (a sociedade), a sua quota parte é repartida proporcionalmente entre todos os demais, incluindo o credor de regresso.
Na origem da dívida esteve uma fiança concedida em simultâneo e no mesmo documento por ambos os cônjuges, ora autora e réu, na constância do seu casamento, pelo que a fiança prestada por cada um deles responsabilizava ambos os cônjuges pelo seu cumprimento. Assim, ainda que tenha sido a pensão de reforma da satisfazer a dívida integral, o respetivo montante, estamos, como se viu, perante um bem, pelo que tem de considerar-se que foi o património comum do casal que respondeu por aquela dívida.
Sendo uma dívida comum e encontrando-se paga com um bem comum, terá de concluir-se, como na sentença recorrida, que o réu já pagou a sua quota parte que lhe cabia no âmbito da fiança prestada, não tendo a autora direito de regresso sobre o réu.
Referências
Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 12.09.2024
Código Civil, artigos 516º, 1697º/1 e 2