O Tribunal da Relação de Guimarães (TRG) decidiu que numa situação em que os relatórios periciais não levantam dúvidas sobre as capacidades de cada um dos progenitores para exercer a parentalidade, mas em que se verifica um quadro de litigiosidade doentia entre eles, em que o filho é instrumentalizado permanentemente, sujeito a pressão psicológica e a um quadro de alienação parental e em que, com 16 anos de idade, chegou a um ponto de exaustão em que se recusa a contactar e estar com o pai, não há outra solução que não determinar o arquivamento dos autos.
O caso
Num processo de promoção e proteção iniciado em 2018, em relação a um menor nascido em 2008, que na altura residia com ambos os pais, por períodos semanais e que era instrumentalizado por eles, estando sujeito a pressão psicológica e a um quadro de alienação parental em escalada que urgia colmatar, reportando a título de exemplo, uma atuação do progenitor, foi determinado o arquivamento dos autos, tendo em conta a inexistência de perigo para o menor.
Desse despacho foi interposto recurso pelo pai o qual veio a ser julgado procedente, ordenando-se a sua substituição por outro que determinasse as diligencias necessárias para colmatar o conflito existente.
Elaborados os necessários relatórios sociais, o pai continuou a pôr em causa a forma como eram realizadas as entregas e recolhas do menor, tendo este começado a recusar-se a estar com ele, o que ainda aumentou mais o conflito.
O pai continuou a apresentar requerimentos insistindo pela entrega do menor através das autoridades policiais.
Tendo o menor, entretanto, feito 16 anos, incapaz de lhe impor a companhia do pai e o cumprimento do regime de vistas, o tribunal determinou o arquivamento dos autos, decisão da qual o pai recorreu para o TRG.
Apreciação do Tribunal da Relação de Guimarães
O TRG negou provimento ao recurso ao decidir que numa situação em que os relatórios periciais não levantam dúvidas sobre as capacidades de cada um dos progenitores para exercer a parentalidade, mas em que se verifica um quadro de litigiosidade doentia entre eles, em que o filho é instrumentalizado permanentemente, sujeito a pressão psicológica e a um quadro de alienação parental e em que, com 16 anos de idade, chegou a um ponto de exaustão em que se recusa a contactar e estar com o pai, não há outra solução que não determinar o arquivamento dos autos.
A escolha da medida de promoção dos direitos e proteção das crianças em perigo deve ser norteada, prioritariamente, pelos direitos e interesses da criança ou jovem, devendo ser aplicada a medida que, atendendo a esses interesses e direitos, se mostre mais adequada a remover a situação de perigo em que a criança ou jovem se encontra.
Por outro lado, os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos e estes não podem ser separados daqueles salvo quando não cumpram os seus deveres fundamentais para com os filhos e sempre mediante decisão judicial.
A intervenção para a promoção dos direitos e proteção da criança ou jovem em perigo deve ser proporcional e atual, no sentido de que deverá ser a necessária e a adequada à situação e só pode interferir na sua vida e na da sua família na medida do que for estritamente necessário a essa finalidade.
Em caso de separação dos progenitores, o convívio do menor com os pais deve ser tão amplo quanto possível e, na medida do possível, alargar-se aos demais membros da família, de tal forma que a criança nunca venha a sentir que, em virtude da separação dos pais, perdeu uma estrutura familiar.
Porém quando o grau de litigiosidade entre os progenitores é extremo o resultado nunca é positivo. No caso, depois de tudo o que teve de passar devido à litigiosidade imparável dos progenitores, a instrumentalização permanente, a sujeição a pressão psicológica e a um quadro de alienação parental em escalada, a sujeição à inquirição e intervenção permanente de assistentes sociais, psicólogos, magistrados e advogados, entregas judiciais com a presença da força policial, não admira que o jovem tenha chegado a um ponto de exaustão em que se recusa a contactar e a estar com o pai.
Apesar de ambos os progenitores reunirem condições favoráveis à educação do filho e estarem motivado para exercer o seu papel parental, o conflito entre eles deitou tudo a perder. Depois de tudo o que se passou, o pai ainda pensa que pela força, neste caso a força pública, será possível obrigar o seu filho a aproximar-se de si, defendendo a aplicação de medidas de promoção e proteção adequadas. Nessas circunstâncias, depois de ter esgotado todas as possibilidades no sentido da reaproximação gradual do pai e do filho, o tribunal fez o que estava ao seu alcance, restando-lhe determinar o arquivamento dos autos, aguardando que, eventualmente, com o passar do tempo, o pai perceba que para se relacionar com o seu filho não precisa do tribunal para nada e esperar que o jovem perceba que só tem a ganhar com a reaproximação ao seu pai.
Referências
Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 27 de fevereiro de 2025