A proposta de lei do Governo que revê as competências dos advogados e solicitadores abre o seu exercício a várias outras entidades e profissionais no âmbito da consulta jurídica, elaboração de contratos, negociação para cobrança de créditos e consagra os serviços jurídicos online.
A proposta altera a lei que define os atos próprios dos advogados e dos solicitadores e que tipifica o crime de procuradoria ilícita.
Altera ainda o Estatuto da Ordem dos Advogados instituindo o conselho de supervisão, as regras para as sociedades multidisciplinares e a prestação dos serviços jurídicos online, bem como as regras relativas ao estágio, designadamente duração e remuneração.
Consulta jurídica
A consulta jurídica deixa de ser ato próprio do advogado.
Assim, poderão exercer a atividade de consulta jurídica:
- as entidades da administração direta ou indireta do Estado, as regiões autónomas, as autarquias locais, outras pessoas coletivas da administração autónoma e demais pessoas coletivas públicas, em matérias incluídas no âmbito das respetivas atribuições e competências;
- os notários e os agentes de execução;
- pessoas coletivas de direito privado, que tenham como atividade principal ou acessória de atividade compreendida no respetivo objeto e/ou fins; e
- os licenciados em direito.
Todos devem ficar sujeitos aos deveres de imparcialidade e sigilo, devendo organizar-se de forma a identificar potenciais conflitos de interesses e atuar de modo a evitar o risco da respetiva ocorrência
Os notários e agentes de execução, bem como as pessoas coletivas de direito privado que tenham esta atividade (principal ou acessória) no seu objeto ou fins ficam sujeitas aos deveres de imparcialidade, a identificar potenciais conflitos de interesses e a atuar para evitar o risco da respetiva ocorrência.
Os notários e agentes de execução ficam ainda, no exercício da consulta jurídica, sujeitos aos deveres deontológicos previstos nos estatutos da respetiva ordem profissional.
Deverá ser prestada ao interessado a informação de que, em caso de litígio emergente da situação objeto da consulta jurídica, o patrocínio forense apenas pode ser exercido, nos termos legais, por advogado ou solicitador.
Elaboração de contratos
A elaboração de contratos e a prática dos atos preparatórios tendentes à constituição, alteração ou extinção de negócios jurídicos, designadamente os praticados junto de conservatórias e cartórios notariais poderão ainda ser praticados:
- Por agentes de execução e notários;
- Por sociedade comerciais, como atividade principal ou acessória de atividade compreendida no respetivo objeto social;
- Por licenciados em direito.
As sociedade comerciais e os licenciados em direito têm de celebrar e manter um seguro de responsabilidade civil profissional de capital não inferior a 150.000 euros.
São correspondentemente aplicáveis aos agentes de execução e aos notários as normas constantes dos respetivos estatutos em matéria de sigilo e de conflito de interesses.
Deverá ser prestada ao interessado a informação de que, em caso de litígio emergente da relação jurídica assessorada, o patrocínio forense apenas pode ser exercido, nos termos legais, por advogado ou solicitador.
No âmbito das sociedade comerciais as regras são as seguintes:
A prestação de serviços deverá ser efetuada por licenciado em direito que exercerá as respetivas funções em regime de subordinação ou de exclusividade.
Os órgãos sociais bem como todas as pessoas que colaborem na atividade da sociedade ficam igualmente sujeitos ao dever de sigilo quanto a todos os elementos de que tenham conhecimento em função das respetivas atividades.
As sociedades terão de aprovar um código de conduta, a rever a cada três anos, nos termos do qual:
- se garantam os deveres de sigilo e onde se prevejam mecanismos de deteção e prevenção de conflitos de interesses, incluindo o dever de abstenção de atuação quando estes se verifiquem;
- se estabeleçam o conjunto de princípios, valores e regras de atuação de todos os dirigentes e trabalhadores em matéria de ética profissional, tendo em consideração as normas penais referentes à corrupção e às infrações conexas e os riscos de exposição da entidade a estes crimes.
O código de conduta das sociedades terá de identificar as sanções disciplinares que, nos termos da lei, podem ser aplicadas em caso de incumprimento das regras e as sanções criminais associadas a atos de corrupção e infrações conexas.
Os órgãos sociais bem como todas as pessoas que colaborem na atividade da sociedade deverão, mediante declaração escrita, aderir ao código de conduta.
As sociedades asseguram ainda a publicidade do código de conduta e todas as pessoas que colaborem na atividade, devendo fazê-lo através da intranet e na sua página oficial na Internet, caso as tenham, no prazo de 10 dias contados desde a sua implementação e respetivas revisões.
A sociedade que no desempenho desses atos a título principal detiver fundos dos seus clientes ou de terceiros no contexto da respetiva atividade, deve observar as regras seguintes:
- os fundos devem ser depositados em conta da sociedade separada e com a designação de conta clientes, aberta para o efeito num banco ou instituição similar autorizada;
- os fundos devem ser pagáveis à ordem, a pedido do cliente ou nas condições que este tiver aceite;
- a sociedade deve manter registos completos e precisos relativos a todas as operações efetuadas com estes fundos, distinguindo-os de outros montantes por ele detidos, e deve manter tais registos à disposição do cliente.
(não aplicável às provisões para honorários efetuadas pelos seus clientes)
A sociedade não poderá receber ou movimentar fundos que não correspondam estritamente a assunto que lhe tenha sido confiado.
Negociação tendente à cobrança de créditos
Os atos compreendidos na negociação tendente à cobrança de créditos poderá ser praticado por sociedades comerciais que tenham por objeto exclusivo a negociação tendente à cobrança de créditos.
Estas sociedades podem receber de terceiros os montantes relativos aos créditos devidos ao seu cliente.
Para efeitos da reclamação ou impugnação de atos administrativos ou tributários, a sociedade deverá indicar um advogado ou solicitador com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados ou na Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, responsável pela supervisão da atividade da sociedade, o qual deverá garantir, em toda a organização, a observância das regras legais, o respeito pelos deveres de sigilo, a identificação de potenciais conflitos de interesses e a atuação de modo a evitar o risco da respetiva ocorrência.
Também neste âmbito se aplicarão as exigências relativas ao código de conduta e, neste caso, o código de conduta deve ainda ter em consideração as normas penais referentes aos crimes contra a liberdade pessoal, bem como a referência às sanções criminais associadas à prática daqueles ilícitos.
Sempre que a sociedade detiver fundos dos seus clientes ou de terceiros no contexto da respetiva atividade, deve observar as regras seguintes:
- os fundos devem ser depositados em conta da sociedade separada e com a designação de conta clientes, aberta para o efeito num banco ou instituição similar pelos seus clientes.
- a sociedade não poderá receber ou movimentar fundos que não correspondam estritamente a assunto que lhe tenha sido confiado.
- a sociedade deve verificar a identidade do cliente e dos seus representantes, assim como os poderes de representação, legais ou contratuais, destes últimos, antes da prestação de qualquer serviço.
Sempre que a sociedade suspeitar seriamente que a operação ou atuação a promover visa a obtenção de resultados ilícitos deve, de imediato, cessar a respetiva prestação de serviços.
Deverá ser prestada ao cliente a informação de que, em caso de litígio emergente da relação jurídica de onde emergem os créditos cuja cobrança é promovida, o patrocínio forense apenas pode ser exercido, nos termos legais, por advogado ou solicitador.
A estas sociedades será aplicável com as necessárias adaptações, a lei que define as medidas de combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo.
Serviços jurídicos online
O EOA passará a prever a prática de atos próprios da advocacia online por advogado, que constitui uma forma de exercício da profissão submetida às regras legais e regulamentares aplicáveis à advocacia.
A identificação do advogado que pratica o ato deverá ser comunicada ao cliente antes do início da prestação do serviço.
O advogado que pratique atos online deverá adotar as medidas necessárias para garantir, entre outros, o sigilo profissional e a inexistência de conflitos de interesses, designadamente através da comprovação da identidade do cliente e demais informação necessária ao cumprimento das respetivas obrigações legais e regulamentares.
Nesta forma de exercício profissional, considera-se quer os serviços são prestados:
- no local do tribunal judicial em que foi exercício o patrocínio judiciário e,
- nos demais casos, no local onde o advogado tenha o seu domicílio profissional
Estágio remunerado
Estabelece-se a remuneração do estagiário em termos a definir por regulamento elaborado pelo conselho geral e aprovado pelo conselho de supervisão, o qual apenas produz efeitos após homologação pelo membro do Governo responsável pela área da justiça.
O estágio passa a ter a duração de 12 meses, em vez dos atuais 18 meses. A formação inicial deverá ser disponibilizada nas modalidades de ensino presencial e à distância. Se for à distância, as taxas e emolumentos a cobrar serão reduzidos.
Por outro lado, estabelece-se que as taxas aplicáveis ao estágio são fixadas segundo critérios de adequação, necessidade e proporcionalidade e estão previstas na tabela de emolumentos e preços devidos pela emissão de documentos e prática de atos no âmbito dos serviços da Ordem dos Advogados.
Estabelece a proposta do Governo que sempre que a realização do estágio implique a prestação de trabalho, deve ser garantida ao estagiário a remuneração correspondente às funções desempenhadas, em valor não inferior à remuneração mínima mensal garantida.
Para estes efeitos, presume-se que o estágio implica a prestação de trabalho.
O estágio termina com a realização de prova de agregação, na qual são avaliados os conhecimentos adquiridos durante o estágio, dependendo a atribuição do título de advogado de aprovação nesta prova, cujos componentes e estrutura são fixados no regulamento de estágio.
Esta avaliação é da responsabilidade de um júri independente que integrará entre os seus membros, em proporção não inferior a 1/3, personalidades de reconhecido mérito não inscritas na Ordem dos Advogados, a nomear pelo conselho geral, ouvidos os conselhos regionais.
A Ordem dos Advogados pode, mediante protocolo celebrado com instituições do ensino superior, estabelecer os termos e condições de realização do estágio no âmbito de ciclos de estudos pós-graduados.
Em caso de carência económica comprovada, o estagiário fica isento do pagamento de quaisquer taxas relativas ao acesso à profissão, mediante requerimento ao conselho de supervisão.
O estagiário poderá ainda requerer a redução, o diferimento ou a dispensa do pagamento das taxas relativas ao acesso à profissão, mediante requerimento devidamente fundamentado.
Sociedades profissionais e multidisciplinares
Os advogados podem constituir ou ingressar como sócios ou associados em sociedades profissionais de advogados ou em sociedades multidisciplinares, nos termos do regime jurídico próprio.
As sociedades profissionais de advogados e as sociedades multidisciplinares gozam dos direitos e estão sujeitas aos deveres aplicáveis aos profissionais membros da Ordem que sejam compatíveis com o sua natureza, estando nomeadamente sujeitas aos princípios e regras deontológicos constantes do EOA.
Os membros do órgão de administração das sociedades profissionais de advogados e das sociedades multidisciplinares devem respeitar os princípios e regras deontológicos, a autonomia técnica e científica e as garantias conferidas aos advogados pela lei e pelo EOA.
A constituição e funcionam das sociedades profissionais de advogados consta do regime jurídico da constituição e funcionamento das sociedades de profissionais que estejam sujeitas ao regime das associações públicas profissionais.
As sociedades devem optar no momento da sua constituição, por um dos dois tipos seguintes, consoante o regime de responsabilidade por dívidas sociais a adotar, devendo a firma conter a menção ao regime adotado:
- Sociedades de responsabilidade ilimitada, RI;
- Sociedades de responsabilidade limitada, RL.
A responsabilidade por dívidas sociais inclui as geradas por ações ou omissões imputadas a sócios, associados e estagiários, no exercício da profissão.
Nas RI os sócios respondem pessoal, ilimitada e solidariamente pelas dívidas sociais. Os credores da sociedade de responsabilidade ilimitada só podem exigir aos sócios o pagamento de dívidas sociais após a prévia excussão dos bens da sociedade.
Nas RL apenas a sociedade responde pelas dívidas sociais, até ao limite do seguro de responsabilidade civil obrigatório.
Às sociedades profissionais de advogados é aplicável o regime fiscal previsto para as sociedades constituídas sob a forma comercial.
Referências
Proposta de lei do Governo sobre alterações ao Estatuto da Ordem dos Advogados