O Instituto dos Mercados Públicos, do Imobiliário e da Construção (IMPIC) divulgou uma orientação técnica, para funcionar como guia de boas práticas, relativa à obrigação de comprovação do registo no Registo Central do Beneficiário Efetivo (RCBE) pelas entidades públicas, uma vez que a matéria não tem tido o tratamento devido, resultando em incumprimento legal. A orientação não é, por isso, vinculativa.
Refere o IMPIC que, embora o Código dos Contratos Públicos (CCP) não faça qualquer referência ao RCBE – e o comprovativo do RCBE não seja um documento de habilitação – na verdade é um documento de habilitação por força do Regime do RCBE (RJRCBE).
O comprovativo de registo no RCBE tem de ser apresentado na fase pré-contratual, portanto, antes da outorga do contrato. Para isso, a entidade adjudicante pode fazer constar das peças do procedimento a exigência desse documento, devendo fazê-lo em sede de apresentação dos documentos de habilitação. Uma vez pedido esse documento, a sua não apresentação no prazo concedido para o efeito determina a caducidade da adjudicação.
Assim, para garantir que as entidades adjudicantes comprovam o registo de beneficiário efetivo, deve ser previsto no convite ou no programa do procedimento a exigência de o adjudicatário entregar cópia do documento obtido na consulta eletrónica que ele próprio fez no RCBE, sob pena de caducidade da adjudicação.
Por outro lado, o RCBE deve ser usado para verificar situações impeditivas de ajuste direto ou de consulta prévia, especificamente em casos de partilha de representantes legais ou de sócios, pois sendo enviados convites destes, o operador económico que apresentar proposta comete uma contraordenação muito grave.
Beneficiário efetivo e CCP
O RJRCBE prevê que a verificação do registo no RCBE (da declaração inicial, da confirmação anual ou das suas eventuais atualizações) das entidades sujeitas ao RCBE, deve ser exigida em todas as circunstâncias em que a lei obrigue à verificação da situação tributária regularizada.
Assim, num procedimento de contratação pública, sendo imperativa a apresentação de documentos de habilitação que comprovem a situação tributária regularizada, também se torna obrigatório comprovar o registo no RCBE, quando o adjudicatário for uma entidade a ele sujeita.
Enquanto não se verificar o cumprimento das obrigações declarativas e de retificação previstas no regime, é vedado às respetivas entidades celebrar contratos de fornecimentos, empreitadas de obras públicas ou aquisição de serviços e bens, bem como renovar o prazo dos contratos já existentes. Esta obrigação estende-se à situação de realização de pagamentos, uma vez que também nesse caso há lugar à comprovação da situação tributária regularizada.
Garantia pelas adjudicantes da comprovação do registo de beneficiário efetivo
Os documentos de habilitação a entregar pelo adjudicatário são os previstos no CCP. A entidade adjudicante pode exigir outros documentos, desde que sejam relevantes e diretamente relacionados com o objeto do contrato a celebrar; basta que tal conste do convite ou do programa do procedimento.
O comprovativo do RCBE é um documento de habilitação por força do RJRCBE, já que é um documento exigível previsto em legislação avulsa, na medida em que existe uma equiparação legal (pela referência a todas as situações em que é necessário comprovar situação tributária regularizada) com os documentos exigíveis nos termos do CCP.
Para afastar dúvidas o IMPIC considera que deve ser previsto no convite ou no programa do procedimento a exigência de o adjudicatário entregar cópia do documento obtido na consulta eletrónica que ele próprio fez no RCBE, sob pena de caducidade da adjudicação nos termos do CCP.
Alerta ainda o IMPIC para que seja verificada a data da referida cópia do documento apresentado pelo adjudicatário, uma vez que, após a declaração/registo inicial, todas as entidades estão obrigadas a atualizar a informação que consta dessa declaração, sempre que existam alterações a qualquer um dos dados declarados, no prazo de 30 dias a contar do facto que as originam, sendo que a informação do RCBE deve ser confirmada anualmente, mesmo que não existam alterações aos dados anteriormente declarados, até ao dia 31 de dezembro de cada ano.
Fica assim salvaguardado que a entidade adjudicante cumpre com a obrigação legal de apenas celebrar o contrato após verificar o referido comprovativo.
Adjudicatário que não tenha apresentado comprovativo do seu registo no RCBE
As entidades adjudicantes não podem celebrar contrato com um adjudicatário que não tenha apresentado comprovativo do seu registo no RCBE.
No âmbito dos contratos públicos, enquanto não se verificar o cumprimento da obrigação declarativa inicial, da confirmação anual ou de eventuais atualizações, não pode uma entidade adjudicante celebrar (ou renovar) quaisquer contratos públicos com entidades sujeitas ao RCBE.
Comprovar o registo de beneficiário efetivo
O RJRCBE não refere quem deve realizar a comprovação, pelo que ela pode ser promovida pela entidade adjudicante/contraente público ou pelo adjudicatário/cocontratante.
Atualmente, se a comprovação for efetuada pela entidade adjudicante (contraente público), a única forma de os seus representantes poderem consultar o referido registo, para efeitos da respetiva comprovação, é através da utilização do Cartão de Cidadão ou da Chave Móvel Digital do próprio representante que pretende realizar a consulta.
Se o trabalhador em funções públicas (representante da entidade pública) não tiver atributos profissionais no seu cartão de cidadão, terá de utilizar o seu Cartão de Cidadão ou a sua Chave Móvel Digital para consultar uma informação que se destina à entidade para a qual esse representante trabalha. Isso implica que a “identificação digital” que fica do sistema é do cidadão consultante e não do trabalhador de uma entidade pública, ainda que na consulta seja obrigatório indicar o motivo da mesma. Fica sempre registado que aquele cidadão em concreto pretendeu obter uma informação para a entidade para a qual trabalha.
Registo em contratação excluída para efetuar pagamentos
Na contratação excluída não existe a obrigatoriedade, para a celebração do contrato, do cumprimento da parte II do CCP, onde se inclui a fase de habilitação do adjudicatário.
Nestes casos, não sendo obrigatório entregar o documento comprovativo da situação regularizada perante a Autoridade Tributária, também não é obrigatório obter, antes da celebração do contrato, o RCBE.
No entanto, o IMPIC sublinha que, para efeitos de quaisquer pagamentos por parte da entidade pública, é condição essencial a verificação do registo em causa.
Portando, na contratação excluída, existe o dever de verificar o RCBE na fase de execução contratual.
Comprovativo da inscrição RCBE no convite ou programa do procedimento
A entidade adjudicante pode fazer constar expressamente do programa do procedimento, a exigência desse documento, fixando prazo para o efeito, apesar de o adjudicatário já estar obrigado à sua apresentação por via do RJRCBE.
O IMPIC recomenda que esta previsão seja acautelada, uma vez que favorece a minimização de risco de algum lapso de verificação do comprovativo e permite sublinhar a consequência da caducidade da adjudicação no caso de não apresentação do referido documento.
Uso do RCBE para verificar situação impeditiva de ajuste direto ou consulta prévia
O CCP estabelece que não podem ser convidadas a apresentar propostas, no âmbito de procedimentos de ajuste direto e de consulta prévia adotados em função do valor do contrato, entidades especialmente relacionadas com entidades que estejam impedidas, nomeadamente, as entidades que partilhem, ainda que apenas parcialmente, representantes legais ou sócios, ou as sociedades que se encontrem em relação de simples participação, de participação recíproca, de domínio ou de grupo.
Se uma entidade já se encontrar impedida de ser convidada, também o está uma entidade que se encontre especialmente relacionada com ela. No caso específico da consulta prévia, também não podem, no mesmo procedimento, ser convidadas entidades especialmente relacionadas entre si.
Uma das situações em que se verifica uma “relação especial” é a partilha de representantes legais ou de sócios, esta é uma situação a ter em conta nos casos referidos de impedimento de convite à participação. Se esses convites forem enviados, e sendo da responsabilidade da entidade adjudicante verificar a não ocorrência desse impedimento, o operador económico que apresentar proposta comete uma contraordenação muito grave, nos termos do CCP.
Com a Lei de prevenção do uso do sistema financeiro para branqueamento de capitais ou financiamento do terrorismo (BCFT), de 2020, cessou a obrigatoriedade de fazer constar da declaração de RCBE a identificação dos titulares das participações sociais/sócios, assim como os gerentes/administradores/diretores. Essa identificação e atualização só acontece se as pessoas dos sócios coincidirem com os Beneficiários Efetivos.
De acordo com as medidas de combate ao BCFT, o beneficiário efetivo é sempre a pessoa singular última que detém o controlo da pessoa coletiva, que, no caso, haverá de ser a pessoa singular última que controla a entidade para a qual se está a preencher a declaração no Registo Central do Beneficiário Efetivo. Esse diploma refere os critérios de identificação do beneficiário efetivo como, por exemplo, a propriedade de mais de 25% do capital social ou a detenção dos direitos de voto de outro sócio.
O IMPIC dá alguns exemplos para identificar se duas ou mais entidades estão relacionadas entre si:
- a análise de documentos sociais: estatutos sociais, registos comerciais e outras documentações que possam indicar a estrutura de propriedade e de governança;
- o organograma das entidades: analisar os organogramas das entidades envolvidas pode revelar partilha de membros em órgãos sociais ou relações de controlo;
- a Informação Empresarial Simplificada (IES): consultar relatórios financeiros e participações em sociedades;
- as Declarações de Interesse: solicitar declarações formais das entidades participantes no processo de contratação, nas quais estas atestam não possuir relações especiais conforme o CCP ou identificam as entidades com quem têm relações especiais para este efeito.
Entidades sujeitas ao RCBE
Nos termos do RJRCBE, estão sujeitas ao RCBE as seguintes entidades:
- Associações;
- Cooperativas;
- Fundações;
- Sociedades civis;
- Sociedades comerciais;
- Outros entes coletivos personalizados, incluindo estrangeiros, que exerçam atividade que determine a obtenção de um número de identificação fiscal (NIF) em Portugal;
- Representações de pessoas coletivas internacionais ou de direito estrangeiro que exerçam atividade em Portugal;
- Outras entidades que não sejam dotadas de personalidade jurídica;
- Instrumentos de gestão fiduciária registados na Zona Franca da Madeira (trusts);
- Sucursais financeiras exteriores registadas na Zona Franca da Madeira;
- Fundos fiduciários e os outros centros de interesses coletivos sem personalidade jurídica com uma estrutura ou funções similares aos anteriores mencionados, em certas condições.
As empresas públicas não se incluem nas sociedades comerciais, pelo que estas não estão sujeitas ao RCBE. O RJRCBE exclui do seu âmbito de aplicação os serviços e as entidades dos subsetores da administração central, regional ou local do Estado, enquadrando-se nestas as empresas públicas, independentemente de terem sido ou não reclassificadas.
Referências
Orientação técnica CCP 8/2024, IMPIC, 27.09.2024
Lei n.º 89/2017 - DR n.º 160/2017, Série I de 21.08.2017
Portaria n.º 233/2018 - DR n.º 160/2018, Série I de 21.08.2018
Lei n.º 58/2020 - DR n.º 169/2020, Série I de 31.08.2020
Diretiva (UE) 2015/849 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20.05.2015