O Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) decidiu que um empregador não viola a garantia de irredutibilidade da retribuição quando não atribui, ou retira, ao trabalhador, um veículo e as vantagens associadas de que já tinha usufruído, nos termos de uma Ordem de Serviço, por necessidade de racionalizar e reduzir custos, estando essa atribuição ou cessação prevista por decisão unilateral do empregador.
O caso
O autor A foi contratado, em 07.09.1998, por um banco de investimento, que depois se fundiu com uma instituição bancária portuguesa. O seu vencimento era constituído pela remuneração base e subsídio de almoço. De 2003 a 2017 foram-lhe atribuídas ao abrigo de várias ordens de serviço, quatro viaturas, que podia usar tanto por motivos profissionais como pessoais, incluindo via verde, seguro, revisões e estacionamento.
Em 2017 o trabalhador recebeu um e-mail do Diretor Adjunto a comunicar que, por deliberação da Comissão Executiva, tinha sido aprovada a nova política corporativa relativa às viaturas do Grupo em Portugal, bem como os princípios a observar nas deslocações em serviço conforme Ordens de Serviço (OS) publicadas. Deixariam, por isso, de utilizar viatura de serviço, os empregados com a categoria e/ou função de Subdiretor em empresas do Grupo. Todas as viaturas que estavam atribuídas seriam descontinuadas, estabelecendo-se um prazo máximo de 30 dias para a sua devolução.
O trabalhador entendeu que a empresa devia ser condenada a reconhecer que seu o direito a viatura de uso total, e a pagar a via verde e lugar de estacionamento por fazerem parte da remuneração.
O Tribunal julgou a ação improcedente e o trabalhador apelou.
Decisão da Relação de Lisboa
O TRL julgou o recurso improcedente e confirmou a sentença recorrida.
Não viola a garantia de irredutibilidade da retribuição a não atribuição de um prémio que o empregador podia atribuir livremente ao trabalhador consoante os resultados obtidos e a avaliação deste, o mesmo se passando com um veículo e as vantagens associadas (desde estacionamento a via verde), que nos termos das ordens de serviço (OS) vigentes aquando da atribuição e durante o período em que esteve afeto ao trabalhador, podia cessar por decisão unilateral do empregador.
Ao contrário do que defendeu o trabalhador, o que resulta das OS não é a sua natureza retributiva, mas sim de uma prestação que a empregadora poderia retirar a qualquer momento. Essa disponibilidade já estava assente quando lhe foi atribuída a viatura.
Assim, para o TRL, esse regime manteve-se durante o tempo em que o autor beneficiou da atribuição da viatura, não existindo qualquer alteração no título pelo qual detinha a viatura e fruía as demais vantagens associadas.
Este ponto é decisivo e prejudica a pretensão do trabalhador relativamente ao ressarcimento de quaisquer danos decorrentes da perda da viatura e dos demais benefícios, uma vez que a empregadora não atuou ilicitamente ou de qualquer forma de modo abusivo, uma vez que o podia fazer, como se viu, mediante mera deliberação sua.
O TRL considera que não existe aqui carácter vinculativo da atribuição do uso de veículo para fins pessoais e profissionais.
A presunção da atribuição da viatura enquanto retribuição no Código do Trabalho (249.º/3 versão de 2003 aplicável ao caso dos autos) foi ilidida pela entidade empregadora ao comprovar que a atribuição de viaturas se realizou abrigo das OS e não ao abrigo de um uso laboral.
As OS em causa previam expressamente que a atribuição da viatura podia cessar por decisão do empregador, a qualquer momento. E cessou por necessidade de racionalizar e reduzir custos, ao abrigo do plano de recapitalização do Grupo a que a empregadora pertencia.
Para além da OS referir essa necessidade de racionalização, já anteriores OS apontavam no sentido da minimização de custos e da procura de soluções mais atrativas (entre a compra e o renting de viaturas).
As OS em causa eram divulgadas aos colaboradores e constavam da intranet. Além disso, as condições de utilização das viaturas nelas previstas foram informadas aos beneficiários, incluindo por e-mail.
O TRL considerou outro acórdão desta Relação, nos termos do qual o empregador pode ilidir a presunção de que as prestações disponibilizadas aos colaboradores têm carácter retributivo.
No caso de atribuição de uma viatura para uso pessoal e pagamento das despesas inerentes à utilização da mesma, terá de provar que:
- não foi acordado no contrato, não é um uso, nem deriva de Instrumentos de Regulação Coletiva de Trabalho;
- não é contrapartida da atividade laboral, mas visa compensar uma causa específica e individualizável, diversa da remuneração do trabalho;
- não é regular e periódica;
- não é avaliável em dinheiro;
- não constitui um direito do trabalho, porque é feito com animus donandi, ou seja, não resulta de uma obrigação.
Referências
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 06.11.2024