O Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) decidiu que, pagando o autor parte do preço de um bem comprado conforme acordado entre autor e réu, e reconhecendo o réu que o autor tem 1/3 no bem, quando, mais tarde, o bem é vendido, o autor tem direito a 1/3 do preço da venda.
O caso
Em 1982 um particular adquiriu um imóvel por 4.500.000 escudos, compra para a qual um amigo seu contribuiu com 1.333.500 escudos. Dada a relação de amizade e confiança entre ambos, e porque esse amigo já tinha adquirido uma casa com recurso a crédito bancário de poupança emigrante, foi acordado que o imóvel ficaria unicamente registado a favor dele. Ambos tinham as chaves do imóvel e ambos tiveram aí os respetivos escritórios. Mais tarde decidiram vender o imóvel, tendo o proprietário do mesmo procedido a essa venda, pelo valor de 320.000 euros, sem dar conhecimento da mesma ao amigo. Em consequência, este veio reclamar a sua parte. Entretanto, o réu faleceu, tendo sido habilitadas as suas herdeiras, e a ação foi julgada improcedente, decisão da qual foi interposto recurso para o TRL.
Apreciação do Tribunal da Relação de Lisboa
O TRL julgou o recurso parcialmente procedente, revogando a sentença recorrida e condenando as rés, habilitadas no lugar do réu, a pagar 106.666,67 euros aos autores.
Decidiu o TRL que, pagando o autor parte do preço de um bem comprado conforme acordado entre autor e réu e reconhecendo o réu que o autor tem 1/3 no bem, quando, mais tarde, o bem é vendido, o autor tem direito a 1/3 do preço da venda.
Do acordo firmado entre os dois amigos não decorreu qualquer compropriedade do imóvel, uma vez que o pagamento do preço não é uma fonte de aquisição do direito. É o contrato de compra e venda, do qual o autor não é parte, que é causa de aquisição.
Mas o facto de ele não ser comproprietário da fração, com efeitos reais, não impede que entre si considerassem que cada um deles tinha uma quota parte do imóvel e que, por isso, o proprietário do imóvel se tenha obrigado a respeitar a parte do amigo, reconhecendo expressamente por escrito que um 1/3 do imóvel lhe pertencia.
É isso que explica que a decisão da venda tenha sido tomada em conjunto. O reconhecimento do correspetivo direito do amigo e a decisão conjunta da venda do imóvel, tem implícito o entendimento de que o produto da venda seria repartido entre ambos, na proporção existente.
A possibilidade de um tal acordo resulta do princípio da liberdade contratual, sendo o mesmo válido, não estando sujeito a nenhuma forma especial e produzindo efeitos apenas entre as partes.
Assim, a venda do imóvel pelo réu, ficando com a parte do preço que devia corresponder ao autor, representa a violação de uma obrigação existente entre eles que o faz incorrer em responsabilidade civil, obrigacional, também dita contratual, pelo qual fica obrigado a indemnizar o autor dos prejuízos que lhe causou.
Esse prejuízo corresponde à não entrega da parte que lhe caberia no preço pelo qual a coisa foi vendida. Se se provasse que a coisa foi ou podia ter sido vendida por um preço superior e só não o foi por culpa do vendedor, a indemnização podia incluir a diferença, mas no caso nada disto se provou, já que o simples caso de o imóvel ter um valor possivelmente superior não é o mesmo que conseguir esse preço por ele. Admite-se que o prejuízo pudesse também abranger um dano não patrimonial, mas no caso a venda foi decidida pelos dois, pelo que o autor não pode dizer que tenha sofrido com a venda do imóvel.
Referências
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 27 de março de 2025
Código Civil, artigos 217.º, 219.º, 405.º, 464.º, 798.º, 1306.º e 1316.º