O promitente-comprador que tenha ficado com a posse do imóvel que é objeto de promessa de compra e venda, e o tenha utilizado para seu uso privado e familiar, goza de direito de retenção sobre esse imóvel até ao pagamento do crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte.
O caso
Um particular celebrou com uma empresa um contrato-promessa de compra e venda de duas frações autónomas cuja escritura nunca chegou a ser realizada.
Já na posse das frações autónomas, o particular recorreu a tribunal exigindo a devolução do sinal em dobro, por incumprimento definitivo do contrato-promessa, e o reconhecimento do direito de retenção sobre as mesmas até pagamento desse valor.
A ação foi julgada procedente, decisão da qual recorreu para o Tribunal da Relação de Coimbra (TRC) a empresa promitente vendedora pondo em causa o reconhecimento do direito de retenção e da qualidade de consumidor do promitente-comprador.
Apreciação do Tribunal da Relação de Coimbra
O TRC negou provimento ao recurso, confirmando o direito de retenção do promitente comprador sobre as frações autónomas até pagamento das importâncias devidas pelo incumprimento e consequente resolução do contrato promessa de compra e venda.
A lei confere o direito de retenção ao beneficiário da promessa de transmissão ou constituição de direito real que tenha obtido a tradição da coisa a que se reporta o contrato prometido, sobre essa coisa, pelo crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte.
Trata-se de um direito real de garantia que consiste na faculdade que tem o detentor de uma coisa de a não entregar a quem lha pode exigir, enquanto este não cumprir uma obrigação a que está adstrito para com aquele.
No entanto, esta norma vem sendo interpretada de forma restritiva, no sentido de atribuir o direito de retenção apenas ao promitente comprador que seja consumidor.
Sendo assim, a qualidade de consumidor assume um verdadeiro elemento constitutivo do direito de retenção, definindo a lei como consumidor todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma atividade económica que vise a obtenção de benefícios.
Assim, goza de direito de retenção, assumindo a posição de consumidor, o promitente comprador que tenha passado a utilizar as frações objeto da promessa de compra e venda, destinadas a habitação, para seu uso privado e familiar, ou seja, para uso não profissional.
O mero facto de se ter provado que o promitente comprador tinha intenções de arrendar as frações autónomas não é suscetível de afastar essa conclusão nem de indiciar um qualquer uso profissional, não privado.
O TRC afirmou, ainda, que a norma que estatui a prevalência do direito de retenção sobre a hipoteca registada anteriormente não é inconstitucional, na medida em que não viola os princípios da igualdade, proporcionalidade e confiança.
Referências
Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido no processo n.º 452/13.9TBCBR.C1, de 3 de novembro de 2015
Código Civil, artigos 755.º n.º 1 alínea f) e 759.º n.º 2